A Queda de um Anjo - Cap. 17: Capítulo 17 Pág. 94 / 207

Dito isto, dispensa o leitor que se enumerem outras virtudes a facto só por si tão significativo. Essas hão-de vir aparecendo naturalmente.

Alguém disse a Calisto Elói que o circunspecto Vasco da Cunha não era estranho ao coração de Adelaide. Esta nova sobressaltou o peito do morgado, sem, contudo, lhe enevoar os olhos do discreto juízo, a ponto de se dar em espectáculo de risível ciúme. Reparou no porte de ambos; e tão graves e cerimoniosos os viu durante a partida, que não achou razão para os crer enamorados, bem que, nesta noite, Adelaide jogasse o voltarete com Vasco da Cunha, e seu cunhado Duarte Malafaia.

Às onze horas, Calisto Elói retirou-se taciturno e contristado.

A só com a sua consciência, e debaixo do olhar severo dos seus livros, o marido de D. Teodora Figueiroa reflectiu conturbado na transformação do seu modo de viver e sentir. Gritou-lhe a razão que fizesse pé atrás no caminho que o levava à ladeira de algum abismo, ou às fauces veracíssimas do amor que tão ilustres vítimas tinha engolido. A memória, aliada da razão, abriu-lhe os fastos desgraçados do coração humano, desde o perdimento de Tróia até à extinção do império godo nas Espanhas. Viu desfilarem, uma por uma, todas as mulheres fatais, desde Dalila até Florinda, a forçada do conde Julião; e, no couce de todas, a fantasia febril da insónia afigurou-lhe Adelaide.

Aos quarenta e quatro anos a razão pode muito, se o coração já está enervado e enfraquecido de lutas e quedas; todavia, a razão dos quarenta e quatro anos é ainda frouxa e transigente, se o coração começa a amar tão a desoras.





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