«Ai que bonita cabreira...
E Margarida, ao cantar este verso, não pôde conservar-se séria, vendo Daniel levantar os olhos para ela.
«Que lá em baixo vejo estar!
«E uma cabra toda branca,
«Que nem se deixa fitar.
«Meus criados e escudeiros,
«Ide a cabreira a buscar.»
Isto dizia a rainha,
Este foi o seu mandar.
Foram buscar a cabreira E a cabra de a acompanhar Até às salas dos paços Onde o rei as viu chegar.
«Pela minha c’roa de ouro
«Eu quero agora apostar
«Que é esta a filha roubada
«Numa noite de luar.»
Milagre! quem tal diria!
Quem tal pudera contar!
A cabrinha toda branca
Ali se pôs a falar.
A seguinte quadra foi cantada por Daniel, e sem ofensa de harmonia:
«Esta é a filha roubada
«Numa noite de luar,
«Andou sete anos no monte
«Quem nasceu para reinar!»
O resultado da intervenção de Daniel foi acabarem os dois a rir, com grande risco de deixarem incompleta a cantiga.
A rogos do seu companheiro, Margarida, passados alguns momentos, concluiu:
Que alegrias vão nos paços,
E que festas sem cessar!
A filha há tanto perdida,
No trono os pais vão sentar.
E vêm damas p’ra vesti-la.
E vêm damas p’ra calçar.
E as mais prendadas de todas
Para as tranças lh’ enfeitar.
Vão procurar a cabrinha...
Ninguém a pôde encontrar:
Mas...
Foi olhando para Daniel que a pequena Guida terminou:
Mas um anjo de asas brancas
Viram aos céus a voar.
E assim terminou a última quadra da xácara e, por algum tempo, as duas crianças se conservaram caladas, como se quisessem seguir ainda, até às derradeiras vibrações, as notas melodiosas daquela voz, ao desvanecerem-se no espaço.