- Quem és? Quero conhecer-te antes de te matar, infame.
E como o embuçado cada vez procurasse ocultar-se mais, Pedro lançou-lhe a mão, e, com um movimento rápido, descobriu-lhe o rosto, arrojando ao chão a capa, em que se envolvia. O luar bateu em cheio nas faces do outro.
Reconheceu Daniel.
É inexprimível em linguagem conhecida o que neste momento se passou no coração do pobre rapaz.
- Daniel! - bradou ele, sufocado pela intensidade da comoção que recebera.
Daniel conservava-se mudo e abatido. Dir-se-ia fulminado.
Houve longo espaço de silêncio.
Pedro sentiu que se lhe formava no coração uma tempestade medonha; um raio de razão, que lhe luzia ainda, inspirou-o para dizer em voz, já cava e abafada:
- Por alma de nossa mãe, Daniel, por alma de nossa mãe, sai daqui se não queres que suceda alguma desgraça.
- Ouve-me, Pedro, escuta-me - tentou dizer Daniel, mas as palavras, a custo, se lhe articulavam e a voz prendia-se-lhe na garganta.
- Daniel, foge, foge daqui, se me não queres perder! foge, irmão! - bradava Pedro e, como que já sem consciência, contraíam- se-lhe espasmodicamente os dedos sobre o gatilho da espingarda.
Daniel ia a falar-lhe ainda, quando sentiu uma mão pousar-lhe no ombro, e em seguida, um homem que, durante o ocorrido, se aproximava do lugar, veio interpor-se entre ele e o irmão.
- Retire-se - exclamou este homem com voz severa, voltando- -se para Daniel. - Eu tinha previsto esta desgraça!
Era o reitor.
Ia a dirigir-se depois a Pedro, mas já não o encontrou ali.
O padre estremeceu.
- Meu Deus, é preciso evitar algum crime. O rapaz vai louco.
Pedro batia violentamente com a coronha da espingarda na porta do quintal, que pouco tempo lhe poderia resistir.