Daniel, vendo-o, ia a correr em defesa da mulher, cujo futuro perdera talvez irremediavelmente.
O padre susteve-o com energia, pouco de esperar daquela idade avançada.
- Retire-se - bradou com voz vibrante e exaltada. - Não está ainda satisfeito com a sua obra? Quer acabar de perder aquela pobre rapariga?
- Mas ele vai matá-la.
- Estou eu aqui para velar por ela. Cabe-me esse direito, que me foi conferido por sua mãe no leito, onde agonizava. Retire-se!
O reitor naquele momento transformara-se; sublimara-se a ponto de exercer império completo na vontade de Daniel; no olhar do velho parecia haver não sei que influxo magnético, que obrigou Daniel a baixar a cabeça e a retirar-se, constrangido por irresistível impulso.
Pedro tinha arremetido contra a porta do quintal com verdadeira desesperação. Um pensamento sinistro o dominava; a raiva do ciúme e da vingança perturbava-lhe a razão.
Afinal a porta cedeu. Pedro penetrou no quintal como verdadeiro louco; empeceu-lhe porém os passos uma mulher, que lhe caía aos pés, bradando:
- Pedro, Pedro, não cause, não queira causar a minha perdição!
Este grito fê-lo recuar. À voz desta mulher, que o implorava assim, Pedro passou da agitação do delírio à imobilidade do letargo.
- Que é isto? - bradou enfim, como ao acordar dum mau sonho. - Margarida aqui?!
Era efectivamente Margarida a mulher, que de joelhos e mãos erguidas lhe jazia aos pés.
Desenhava-se no rosto da simpática irmã de Clara o mais violento desespero; e quem sabe o que lhe ia no coração!
Era pois Margarida a que tivera a entrevista com Daniel? Esta abençoada suspeita iluminou pela primeira vez as trevas do espírito atribulado do pobre Pedro! Abençoada lhe chamei, pelo conforto que gerou; porque, na horrível tortura de coração daquele desgraçado, foi um bálsamo consolador.