- E porquê? Isso mesmo é o que eu mais quero saber.
- Porque... não devia aceitar.
- Não devias?
- Não, não devia. És tu a que me vens dizer que se pode, que se deve aceitar um esposo a quem...
- A quem? - interrogou Clara, fitando na irmã olhar inquisitorial.
- A quem não... amamos?
- E então é certo que não amas o Sr. Daniel? - perguntou Clara, conservando em Margarida o mesmo olhar e demorando intencionalmente a articulação de cada sílaba.
- Que pergunta! - disse Margarida, baixando os olhos confusa.
- E ainda não queres que te ralhe! Ora ouve, Guida. Desde hoje que o desconfio. Passaste a noite à minha cabeceira. Eram três horas quando dormias, e eu estava acordada então. Ora tu também tinhas febre, também sonhaste em voz alta e alguma coisa disseste...
- Que disse eu? - perguntou Margarida, com perturbação.
- Alguma coisa, algumas palavras soltas, certo nome, de que eu ao princípio fiz pouco ou nenhum caso, mas em que depois me deu para cismar. E tanto cismei, e tanto cismei, que afinal descobri, minha pobre Guida...
- O quê?
- Que esse teu coração não era, por fim, o que se supunha; não era o que eu, e o que todos supúnhamos. E olha que mais te quis por isso; porque eu gosto de quem tenha coração.
- Mas enfim que queres tu dizer?
- Quero dizer que tu amas, que tu amavas, e há muito, o Sr. Daniel.
- Estás louca, filha?
- Não o negues ou ficamos de mal. Eu depois recordei-me do que dizia o Sr. Reitor, de que Daniel fora em pequeno o teu conversado. Muitas vezes te vi corar ainda, quando o Sr. Reitor, a rir, te caçoava com isso. Ora eu sei como tu és... isto é, hoje é que me lembrei de que tens um génio singular, tu. Eu podia esquecer-me da minha afeição de criança. Tu não, que tudo tomas a sério.