- Não sei como se pode gostar daquilo - disse desdenhosamente a menina Francisca.
- Deixe lá, menina - notou com ironia o sacristão, ainda despeitado.
- A Margarida não é para desprezar assim. É trigueirinha, mas nós todos sabemos que Daniel não desgosta delas, ainda mais trigueiras.
Francisca mordeu os beiços ao escutar a alusão e espetou a agulha no novelo das linhas; o pai lançou ao sacristão um olhar furibundo e descarregou com o martelo uma forte pancada nos pintos falsos, que, para escarmenta de velhacos, tinha cravados no mostrador; e a própria Sr.ª Teresa armou-se de um sorriso constrangido, pouco animador para o sacristão, e ao mesmo tempo apertou nervosamente uma orelha ao gato maltês, que dormitava acocorado junto dela, sobre um saco de arroz.
Muda, mas expressiva linguagem simbólica, que se podia traduzir assim:
A menina Francisca - Tinha alma de te atravessar o coração com esta agulha, maldito.
O Sr. João da Esquina - Não sei o que me contém, que te não quebre com este martelo quantos dentes tens na boca, brejeiro.
A Sr.ª Teresa - O que tu merecias era um puxão de orelhas, bem puxado, maroto.
No entretanto, o sacristão prosseguia imperturbavelmente:
- A tia Brásia disse-me que havia muito que Daniel não largava a porta das do Meadas. E isso é facto. Pelos modos, o Pedro soube-o, e ontem, se lho não tiravam das mãos, dava cabo dele.
- Mas então sempre havia alguma coisa com Clara também?
- insistiu a Sr.ª Teresa, a quem a opinião crítica do narrador agradava, por mais escandalosa.
- Pois isso para mim é de fé - disse o sacristão.
Por este tempo tinha entrado na loja um jornaleiro, o qual, tendo ouvido as últimas palavras do diálogo, percebeu logo do que se tratava.
- Houve mosquitos por cordas esta noite lá para as minhas bandas, houve - disse o homem com sorriso malicioso.