- Que não vale nada, sei eu - continuou Joana - porque tenho bastante juízo para receber as coisas, como da mão de quem vêm. Mas na verdade que lá custa a uma pessoa estar a ouvir semiscarúnfias destas a porem a baba na fama de uma rapariga, de quem um só cabelo da cabeça vale por todas as beatas fingidas desta terra, por todas de cambalhota, e por o tal padre também.
- Veja o que diz! depois não se queixe se ouvir...
- Que hei-de eu ouvir, sua desavergonhada, sua papa-novenas, que hei-de eu ouvir? - exclamava, já de punhos cerrados e olhar cintilante, a irascível Joana. - Eu não tenho medo das verdades, e para as mentiras tenho estas mãos desempenadas, graças a Deus.
Diga o que sabe, diga para aí. Não, minha amiga, a mim não me engana você. Cuida que o rosário é fieira de alcatruzes que há-de levar ao céu? Está servida.
- Quem chega à missa depois do credo... não pode falar... - murmurou, já intimidada, a beata.
- E você, sua rata de sacristia, tem alguma coisa com isso? Que lhe importa se eu chego tarde, ou cedo? Não que eu não tenho a sua vida, sabe? Deus, que lê nos corações, bem conhece que não é de propósito que eu... Mas vejam esta santinha, com que atenção está à missa, que repara para quem entra e quem sai. São todas assim. Estas e outras coisas é que elas vão dizer ao confessor. E há- -de ser isto que há-de pôr a boca em Margarida?
- Então julga que é peta o que toda a gente sabe por aí já?
- Não, a verdade deve dizer-se - observou João da Esquina.
- É facto que esta noite...
- Histórias! Isso não há-de ser tanto como dizem. Sabem que mais? Eu só lhes desejo, aos que tiverem filhas, que Deus lhes dê a elas um bocadinho do juízo da Guida do Meadas. Adeus.
E a Sr.ª Joana ia a retirar-se.