- Oh! cale-se, cale-se! - exclamou sobressaltada Margarida, sem levantar o rosto para ele.
- Para que me manda calar? Levará tão longe a sua desconfiança, que possa acreditar que até aqui lhe minto, que nem a promessa, feita sobre este leito, para mim consagrado pela sua generosidade, que nem essa saberei respeitar?
- Por compaixão, por misericórdia, cale-se - dizia, com maior veemência, Margarida, elevando agora para ele as mãos juntas e os olhos banhados de lágrimas.
- Margarida! - repetia Daniel.
- Não vê que é um sacrilégio quase isso que está a dizer?
Repare, veja onde está; olhe o que nos separa. Oh! cale-se!
- É a solenidade do lugar e do momento, que me anima a falar-lhe. Não duvide de mim, Margarida. Será preciso que lhe lembre o tempo passado? será preciso que lhe fale da infância, Guida!
da infância que passámos juntos?
- A mim? Serei eu a que preciso avivar lembranças? - disse involuntariamente Margarida, num tom quase de amarga exprobração; mas, reprimindo este movimento, que não soube disfarçar a tempo, acrescentou com desespero: - Que quer de mim?
- A sua confiança, a sua estima; juro-lhe que a mereço. Pela primeira vez, faço sem hesitar este juramento. Alguma coisa se passou no meu coração, que me fez outro homem. Acabou o louco sonho de dez anos, que andei sonhando. Despertei ontem. Agora sou o mesmo Daniel, que daqui partiu, deixando na aldeia alguém, que do alto dos montes olhava com tristeza para a estrada, que o constrangeram a seguir, estrada que, ele também, regou com lágrimas de saudades.