- Uma figa para a graça! - disse o cirurgião contrariado. - Estás hoje muito contente da vida!
- Que queres? Deu-me para aqui.
- Talvez não leves assim o dia todo. Queres saber o que há, ou não queres?
- Quero, mas sobe.
- Pois com os diabos, eu subo e, se a notícia estourar aí dentro como uma bomba, a culpa é tua.
E, dizendo isto, enfiou pelo portal dentro.
Enquanto ele sobe as escadas, direi ao leitor o motivo do desassossego, em que nos aparece o velho clínico.
João Semana só aquela manhã soubera do acontecido no quintal das duas irmãs, na noite da antevéspera.
No dia antecedente andara o cirurgião por longe, aonde a fama ainda não tinha levado a notícia do escândalo. De volta a casa, Joana, mortificando o desejo que sentia de falar, foi duma discrição admirável a este respeito. Duas causas a moveram a isto; primeiro, o não saber ainda como poderia contar o facto, sem grande prejuízo do seu afeiçoado Daniel; depois, parecendo-lhe quase impossível que João Semana não soubesse já alguma coisa, deu-lhe para tomar à má parte o silêncio que o via guardar, e resolveu, despeitada, não ser mais expansiva do que ele.
O resultado foi sair João Semana, no dia seguinte, ainda em completa ignorância do ocorrido. Ficou portanto surpreendido ao receber à queima-roupa, em casa dum freguês, a notícia e sob uma das feições mais pavorosas que ela havia revestido.
Falara-lhe em projectos sanguinários da parte de Pedro, na fuga de Daniel, no desespero de Clara, sobre cuja culpabilidade havia ainda grandes dúvidas na mente do narrador.
João Semana acreditou tudo aquilo e correu a casa de José das Dornas. Perguntou pelo lavrador, tinha saído; perguntou por Daniel e depois por Pedro, obteve a mesma resposta.