Passados alguns momentos, Margarida despertou. Ao lembrar- -lhe que adormecera com o trabalho mal principiado ainda, apertou- se-lhe o coração, e a pobre criança juntou as mãos de desesperada.
Mas que espanto ao ver espiada a roca e fiadas as estrigas que lhe haviam dado por tarefa!
A sua primeira ideia foi que tinha sido aquilo um milagre da Senhora, a quem se havia encomendado, e cujo auxílio fervorosamente suplicara. Tinham-lhe contado a lenda daquela freira, que, abandonando um dia a ermida da Virgem, de quem era devota, cega por uma paixão mundana, voltara mais tarde às portas do claustro, coberta de arrependimento e de vergonha; e, quando esperava encontrar recriminações e opróbrios, soube que ninguém lhe tinha dado pela falta, porque a senhora se compadecera dela, e revestindo a sua imagem, viera todos os dias fazer o serviço da clausura.
Margarida acreditou em outro milagre desse género, e com estas ideias se foi deitar, rendendo expansivas acções de graças à Virgem, por tão miraculosa intercessão.
Mas, pouco a pouco, a verdade foi-lhe aparecendo mais distinta, e pela madrugada acabaram de confirmá-la alguns vestígios evidentes de Clara ter estado junto de si nessa noite, e enquanto ela dormia; denunciou-a um lenço que deixara cair na pressa com que voltara à alcova.
Nessa manhã, pois, Margarida aproximou-se da irmã, e beijou- -a com efusão.
- Obrigada, Clarinha. Deus te há-de recompensar essa bondade.
- Se achas que mereço alguma recompensa, porque ma não dás tu mesma, Guida?
- Eu, meu coração? Que recompensa podes esperar de uma pobre?
- Que não queiras muito mal a minha mãe, por tanto que te mortifica, e que... me tenhas um pouco de amizade.
- Querer mal a tua mãe, doida! e posso eu querer mal a quem me dá o pão, de que me sustento, o tecto e os vestidos que me cobrem? Que eu nada disso tenho, Clarinha.