- Não me digas isso.
- A minha amizade, pedes-me tu! e um pouco de amizade, disseste!
E, a não ser a ti, a quem queres que eu vá dar toda esta que Deus me pôs no coração, para dar? De tua mãe recebo a esmola do pão e do abrigo, agradeço-lha, e rogo a Deus por ela; a ti, devo-te mais; devo-te a esmola da consolação e do conforto; por isso te estremeço e quero, Clarinha. E tu duvida-lo?
- Esmola! esmola! Que palavra! De quem recebes tu esmolas em casa de teu pai, Guida? - perguntou Clara, com uma viva expressão do nobre orgulho que lhe estava no carácter.
Margarida sorriu melancolicamente a esta exaltação da irmã e respondeu:
- Esta casa não é de meu pai, é de minha...
Ia a dizer madrasta, mas conteve-se, receando dar à palavra uma intonação menos afectuosa.
Clara saltou-lhe ao pescoço, e, por um daqueles impulsos irresistíveis da sua índole generosa e expansiva, exclamou, beijando-a nas faces:
- Guida, Guida, esta casa ainda há-de ser minha, e então veremos se me fazes a desfeita de não lhe chamares tua também.
De outra vez, tinha ido Margarida vender fruta ao mercado.
Com inacreditável exigência havia-lhe a madrasta fixado, de antemão, qual devia ser o preço da venda, não lhe permitindo baixá-lo, e obrigando a pequena, ao mesmo tempo, a não voltar para casa sem a ter realizado.
Os maus tratos e ásperas repreensões esperavam infalivelmente Margarida naquele dia, vista a exorbitância dos preços estabelecidos e uma tão grande afluência de fruta na praça, que barateara o género. A rapariga chorava e lamentava-se, enquanto os compradores sorriam ao ouvir o preço excessivo que ela pedia pela fruta.
Nisto apareceu Clara, que, por acaso, atravessava a feira naquele momento. Viu a irmã assim aflita, e aproximou-se dela.