- Que é isso, Guida? Tu choraste?
- E admiras-te ainda de me veres chorar, Clarinha?
- Mas... Diz-me, porque foi isto?
Margarida contou-lhe tudo.
Clara ficou a olhar para o chão, pensativa.
- E de tanta gente rica que há por aí, ninguém terá alma de pagar mais cara, alguns vinténs, esta fruta, para fazer bem a uma pobre rapariga?
E, dizendo isto, Clara corria com os olhos a feira, como se a procurar essa alma generosa para que apelava.
O acaso fez com que descobrisse um velho, que, naquele momento, atravessava o lugar, fazendo provisão de fruta, e parecendo não regatear muito.
- Ai - disse Clara, ao encarar com ele - o meu padrinho, o Sr. Cónego Arouca! Queres tu ver, Guida, como eu te vendo a fruta?
- Que vais fazer, Clarinha?
- Escuta.
E, imediatamente, arrebatando a canastra das mãos da irmã, Clara correu a colocar-se no caminho do velho cónego, quando este prosseguia no seu feirado.
Muito bons-dias, meu padrinho, deite-me as suas bênçãos.
- Tu por aqui, Clarita? Deus te abençoe, rapariga. Então que fazes tu?
- Sou muito pouco afortunada, meu padrinho. Sabe?
- Sim, pequena? Então porquê? Não encontraste noivo ainda?
- Ora! Está a brincar. Não é isso.
- Trago à feira uma canastra cheia de fruta, e ainda não encontrei compradores.
- E o defeito é da fruta, ou de quem a vende?
- Há-de ser de quem a vende, que lá a fruta... essa boa é.
- Boa, sim; mas cara...
- Ora essa! meu padrinho. Nós cá não somos mais do que as outras. Vendemos pelo preço que elas vendem.
- Ora deixa cá ver a fruta. Então quanto queres tu por isso?
Um dinheirão.
Este exame era simplesmente por formalidade, pois o cónego tinha resolvido, de si para si, ser o feirante de toda a fruta, embora fosse dura como pedra, e cara como açafrão.