Abre-lhes ela as portas de um mundo imaginário, para onde se refugiam dos embates do mundo real, que impressionam dolorosamente a sua delicada sensibilidade. Quando os encontramos sós, estes melancólicos devaneadores, acreditemos que lhes povoam a solidão formas invisíveis, criadas à poderosa evocação da sua fantasia; o silêncio, em que os virmos cair, dissimula-lhes os misteriosos diálogos na linguagem desconhecida e intraduzível desse fantástico mundo. É uma singular loucura procurar distraí-los, chamando- os à consideração das coisas reais. A mais doce consolação, a mais festiva alegria daquelas almas, é aquilo mesmo que se nos figura tristeza.
Deixem-nos assim. Não queiram erguer-lhes a fronte que involuntariamente se inclina; não tentem iluminar-lhes com sorrisos a fisionomia, sobre a qual se derrama uma serena gravidade; não se esforcem por lhes tirar dos lábios comprimidos uma palavra qualquer; o fogo de vida, que parece tê-los abandonado, deixou somente a superfície para mais intenso se lhes concentrar no coração.
Margarida tinha também o seu pensamento secreto, que, em momentos assim, acariciava com amor.
Este pensamento de longe lhe viera, há muito lhe era companheiro.
Assim como nas trevas da noite os olhos involuntária e quase irresistivelmente se fixam no mais pequenino ponto luminoso, que lhes surja do seio da obscuridade; assim se voltava o pensamento de Margarida para o único raio, que lhe luzia débil de entre as sombras da existência passada. A cândida afeição de Daniel era este raio; através das diversas fases da sua vida a acompanhara sempre a imagem dele, modificando-se conforme a natureza dos sonhos em cada uma. Aos vinte e dois anos, que Margarida contava agora, recebera essa imagem toda a vida, de que um coração juvenil anima as suas criações mais queridas.