O Conde de Monte Cristo - Cap. 60: O telégrafo Pág. 581 / 1080

- Não, mas faz-se compreender.

- Como assim?

- Com a ajuda do olhar. Os seus olhos continuaram a viver e, como vê, matam.

- Meu amigo - disse a Sr.ª de Villefort, que acabava de entrar por seu turno -, não estará a exagerar a situação?

- Minha senhora... - cumprimentou o conde, inclinando-se.

A Sr.ª de Villefort retribuiu o cumprimento com o seu mais gracioso sorriso.

- Pois muito me conta, Sr. de Villefort. Que desgraça incompreensível!... - exclamou Monte-Cristo.

- Incompreensível, diz bem! - concordou o procurador régio, encolhendo os ombros. - Um capricho de velho!

- E não há maneira de o levar a desistir dessa decisão?

- Claro que há - respondeu a Sr.ª de Villefort. - E depende até do meu marido que esse testamento, em vez de ser feito em detrimento de Valentine, seja pelo contrário feito a seu favor.

O conde, vendo que os dois esposos começavam a falar por meias palavras, tomou um ar distraído e olhou com a mais profunda atenção e a aprovação mais completa o jovem Édouard, que deitava tinta de escrever no bebedouro dos pássaros.

- Minha querida - disse Villefort, respondendo à mulher bem sabe que gosto pouco de armar em patriarca em minha casa e que nunca acreditei que o destino do universo dependesse de um aceno da minha cabeça. No entanto, desejo que as minhas decisões sejam respeitadas na minha família e que a loucura de um velho e o capricho de uma criança não deitem por terra um projecto traçado no meu espírito há muitos anos. O barão de Epinay era meu amigo, como sabe, e uma aliança com o filho é convenientíssima.

- Acha que Valentine está combinada com ele?... - perguntou a Sr.ª de Villefort. - Com efeito... ela sempre se opôs ao casamento e não me admiraria que tudo o que acabamos de ver e ouvir fosse a execução de um plano concertado entre ambos.

- Ninguém renuncia assim, acredite, a uma fortuna de novecentos mil francos - respondeu Villefort.

- Ela renunciaria ao mundo, senhor. Ainda há um ano queria entrar para um convento.

- Não importa - prosseguiu Villefort. - Insisto em que esse casamento tem de se realizar!

- Apesar da vontade do seu pai? - perguntou a Sr.ª de Villefort, ferindo outra corda. - é muito grave!...

Monte-Cristo simulava nada ouvir, embora não perdesse uma palavra do que se dizia.

- Senhora - prosseguiu Villefort -, posso dizer que sempre respeitei o meu pai, porque ao sentimento natural da geração se juntava a consciência da sua superioridade moral; porque, enfim, um pai é sagrado a dois títulos, sagrado como nosso criador e sagrado como nosso senhor; mas hoje tenho de renunciar a reconhecer uma inteligência no velho que, baseado numa simples recordação de rancor para com o pai, persegue assim o filho.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069