A Queda de um Anjo - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 62 / 207

— Não me ensine as leis da cortesia, abade — replicou algum tanto afrontado o morgado da Agra. — Eu não me fiz em alcatifas de salas; mas aprendi a polícia e trato humano nas lições de galãs afamados como D. Francisco Manuel. E, demais disso, meu caro Sr. abade, não me peça Deus conta de minha soberba, se eu lhe digo que o bom sangue como que já tem congeniais e infusas em si as regras da urbanidade cortesã. Não se fazem mister directórios de civilidade a sujeitos que herdam com a fidalguia a índole dos avoengos palacianos, feitos nas cortes, e afeitos a sentarem-se na ourela dos tronos.

— Não ponho dúvida nisso; — obtemperou o abade, e acrescentou com malícia e bem rebuçada ironia — alguns fidalgos muito malcriados que tenho topado, quanto a mim, não lhes faltou a herança de polidez; foram eles que propriamente derrancaram sua índole, até se fazerem plebe grosseira e ignóbil.

— Acertadamente — disse o morgado.

— Eu ensinar cortesia a V. Exa.! — insistiu o deputado bracarense. — A minha observação tendia a moderar os impulsos descomedidos da sua justa censura aos maus costumes da Sra. D. Catarina Sarmento. Noli esse multum justum, diz o Eclesiastes. Bem fidalgos e policiados eram S. Domingos de Gusmão, S. Francisco de Bórgia e Santo Inácio de Loiola; todavia, bem sabe V. Exa. com que isenção e santa descortesia eles invectivavam as corruptelas da mais elevada sociedade, em rosto dos delinquentes.

— Mas eu não sou apóstolo — acudiu Calisto. — Conheço que já não vim a tempo, nem a missão me condecora. Assim mesmo, sem desaire das pessoas, hei-de pôr a pontaria aos vícios, e, se puder, influirei pensamentos de emenda ao ânimo dos viciosos.





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