O Conde de Monte Cristo - Cap. 110: O libelo acusatório Pág. 1015 / 1080

O Sr. de Villefort, que o observava com frequência e que sem dúvida continuava nele os estudos psicológicos que tantas vezes tivera ensejo de fazer nos acusados, o Sr. de Villefort não conseguiu uma só vez obrigá-lo a baixar os olhos, fosse qual fosse a fixidez e a profundidade do seu olhar.

Por fim a leitura terminou.

-Levante-se o réu! Como se chama? - perguntou o presidente.

Andrea levantou-se.

- Perdoe-me, Sr. Presidente - disse numa voz cujo timbre vibrava perfeitamente puro -, mas vejo que vai adoptar uma ordem de perguntas em que o não posso seguir. Pretendo justificar mais tarde ser uma excepção aos réus vulgares. Peço-lhe portanto se digne permitir-me responder seguindo uma ordem diferente ou não responderei a nenhuma pergunta.

O presidente, surpreendido, olhou para os jurados, que olharam para o procurador régio.

Uma grande surpresa manifestou-se em toda a assembleia, mas Andrea não pareceu nada impressionado com isso.

- A sua idade? - continuou o presidente. - Responde a esta pergunta?

- A essa pergunta, como às outras, responderei, Sr. Presidente, mas na sua vez.

- A sua idade? - repetiu o magistrado.

- Tenho vinte e um anos, ou antes tê-los-ei apenas daqui a uns dias, pois nasci na noite de 27 para 28 de Setembro de 1817.

O Sr. de Villefort, que estava a tomar um apontamento, levantou a cabeça ao ouvir esta data.

- Onde nasceu? - continuou o presidente.

- Em Auteuil, perto de Paris - respondeu Benedetto.

O Sr. de Villefort levantou segunda vez a cabeça, olhou para Benedetto como se olhasse para a cabeça de Medusa e enlivideceu.

Quanto a Benedetto, passou graciosamente pelos lábios a ponta bordada de um lenço de cambraia fina.

- A sua profissão? - perguntou o presidente.

- Primeiro fui falsário - respondeu Andrea com a maior tranquilidade do mundo -, em seguida fui ladrão e muito recentemente tornei-me assassino.

Um murmúrio, ou antes uma tempestade de indignação e surpresa ergueu-se em todos os pontos da sala. Os próprios juízes se entreolharam estupefactos e os jurados manifestaram a maior repugnância por aquele cinismo, tão pouco esperado num homem elegante.

O Sr. de Villefort pôs a mão na testa, que de pálida se tornara vermelha e fervilhante. De súbito levantou-se e olhou à sua volta como um homem alucinado. Faltava-lhe o ar.

- Procura alguma coisa, Sr. Procurador Régio? - perguntou Benedetto com o seu mais obsequioso sorriso.

O Sr. de Villefort não respondeu e recompôs-se, ou antes voltou a deixar-se cair na sua poltrona.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069