O Conde de Monte Cristo - Cap. 113: O passado Pág. 1040 / 1080

- Mas são as mesmas - murmurou Monte-Cristo. - Só que então era de noite e hoje é de dia; é o sol que ilumina tudo isto e torna tudo isto alegre.

Desceu ao cais pela Rua de Saint-Laurent e encaminhou-se para a Consigne, o ponto do porto onde fora embarcado. Um barco de passeio passava com a sua cobertura de lona. Monte-Cristo chamou o patrão, que navegou imediatamente para ele, com a pressa que põem nesse exercício os barqueiros que farejam uma boa gorjeta.

O tempo estava magnífico e a viagem foi uma festa. No horizonte o Sol descia, vermelho e chamejante, nas vagas, que se incendiavam à sua aproximação. O mar, liso como um espelho, franzia-se por vezes devido aos saltos dos peixes, que, perseguidos por algum inimigo oculto, saltavam para fora de água a fim de procurarem a salvação noutro elemento.

Finalmente, no horizonte viam-se passar, brancas e graciosas como gaivotas de arribação, as barcas de pescadores que se dirigiam para Martigues ou os navios mercantes carregados que seguiam para a Córsega ou para a Espanha.

Apesar daquele lindo céu, daquelas barcas de contornos graciosos e da luz dourada que inundava a paisagem, o conde, envolto na sua capa, recordava um a um todos os pormenores da terrível viagem: aquela luz única e isolada que ardia nos Catalães, a vista do castelo de If que lhe revelou para onde o levavam, a luta com os gendarmes quando quis lançar-se ao mar, o seu desespero quando se sentiu vencido e a sensação fria do cano da carabina encostado à têmpora, como um anel de gelo.

E, pouco a pouco, como as nascentes secas no Verão que quando se acastelam as nuvens de Outono se humedecem lentamente e começam a correr gota a gota, o conde de Monte-Cristo sentiu igualmente nascer-lhe no peito o velho fel extravasado que outrora inundara o coração de Edmond Dantès.

A partir daí acabou-se para ele o céu bonito, as barcas graciosas, o sol quente; o céu velou-se de crepes fúnebres e o aparecimento do negro gigante chamado castelo de If fê-lo estremecer como se lhe tivesse surgido de súbito o fantasma de um inimigo mortal.

Chegaram.

Instintivamente, o conde recuou até à extremidade do barco.

O patrão teve de lhe dizer com a sua voz mais diferente:

- Chegámos, senhor.

Monte-Cristo lembrou-se de que naquele mesmo local, naquele mesmo rochedo, fora violentamente arrastado pelos seus guardas e que o tinham obrigado a subir a rampa picando-lhe os rins com a ponta das baionetas.

O caminho parecera então muito longo a Dantès; Monte-Cristo achou-o muito curto. Cada remada fizera brotar, juntamente coma toalha húmida do mar, um milhão de pensamentos e recordações.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069