- Pobre rapaz! - murmurou Caderousse. - Pois aí tem mais uma prova do que lhe dizia, Sr. Abade: Deus só é bom para os maus. Ah - continuou Caderousse, com a linguagem colorida da gente do Meio- Dia -, o mundo vai de mal a pior! Deviam cair do céu dois dias de pólvora e uma hora de fogo, para acabar com isto tudo!
- Parece que o senhor gostava muito desse rapaz - observou o abade.
- É verdade, gostava muito dele - confirmou Caderousse - embora tenha de me penitenciar de ter por um instante invejado a sua felicidade. Mas depois, juro-lhe, palavra de Caderousse, tenho lamentado muito a sua pouca sorte.
Fez-se um momento de silêncio durante o qual o olhar fixo do abade não cessou um instante de interrogar a fisionomia mutável do estalajadeiro.
- E o senhor conheceu o pobre rapaz? - continuou Caderousse.
- Fui chamado ao seu leito de morte para lhe oferecer os derradeiros socorros da religião - respondeu o abade.
- De que morreu? - perguntou Caderousse, com voz estrangulada.
- De que se morre na prisão quando se morre aos trinta anos, se não da própria prisão? Caderousse enxugou o suor que lhe corria pela testa.
- O que é estranho no meio de tudo isto - prosseguiu o abade é que Dantès me jurou sempre no seu leito de morte, sobre o Cristo cujos pés beijava, ignorar a verdadeira causa do seu cativeiro.
- É verdade, é verdade - murmurou Caderousse -, não podia sabê-lo. Não, Sr. Abade, ele não mentia, o pobre rapaz.
- Foi por isso que me encarregou de esclarecer a sua desgraça, o que ele nunca pôde fazer, e de reabilitar a sua memória, se essa memória tivesse recebido qualquer mácula.
E o olhar do abade, cada vez mais fixo, devorou a expressão quase sombria que apareceu no rosto de Caderousse.
- Um rico inglês - continuou o abade - seu companheiro de infortúnio e que saiu da prisão aquando da II Restauração possuía um diamante de grande valor. Ao sair da prisão quis deixar a Dantès, que numa doença que contraíra o tratara como um irmão, uma prova do seu reconhecimento e ofereceu-lhe esse diamante. Dantès, em vez de se servir dele para subornar os carcereiros, que aliás poderiam receber-lhe o diamante e atraiçoá-lo depois, conservou-o sempre preciosamente, para o caso de sair da prisão. Porque se saísse da prisão a sua fortuna estava assegurada só com a venda do diamante.
- Era portanto, como o senhor disse, um diamante de grandevalor? - perguntou Caderousse, com os olhos coruscantes.
- Tudo é relativo - prosseguiu o abade. - De grande valor para Edmond. O diamante estava avaliado em cinquenta mil francos.