O Conde de Monte Cristo - Cap. 64: O mendigo Pág. 619 / 1080

Então seria forçado, para me justificar, a dizer que foras tu quem me dera os dez napoleões... Daí, informação, inquérito. Descobrem que deixei Toulon sem pedir licença e reconduzem-me de brigada em brigada até às margens do Mediterrâneo. Volto a ser pura e simplesmente o n.º 106 e adeus ao meu sonho de parecer um padeiro reformado! Nem por sombras, meu filho. Prefiro ficar respeitavelmente na capital.

Andrea franziu o sobrolho. Era, como ele próprio se gabara, tão casmurro como o filho putativo do Sr. Major Cavalcanti.

Deteve-se um instante, deitou uma rápida olhadela à sua volta, e quando o seu olhar acabava de descrever o círculo investigador a sua mão desceu inocentemente à algibeira das calças, onde começou a acariciar o guarda-mato de uma pistola de bolso.

Entretanto, porém, Caderousse, que não perdia de vista o companheiro, passava a mão por detrás das costas e abria muito devagarinho uma grande navalha espanhola, que trazia consigo para o que desse e viesse.

Como se vê, os dois amigos eram dignos de se compreender e compreenderam-se. A mão de Andrea saiu inofensivamente da algibeira e subiu até ao seu bigode ruivo, que afagou durante algum tempo.

- Vais então ser feliz, meu bom Caderousse? - perguntou.

- Farei todo o possível para isso - respondeu o estalajadeiro da Ponte do Gard, guardando a navalha na manga.

- Vamos então, entremos em Paris. Mas como vais fazer para passar a Barreira sem despertar suspeitas? Parece-me que com essa fatiota te arriscas ainda mais de carruagem do que a pé

- Espera, já vais ver... - disse Caderousse.

Pegou no chapéu de Andrea e no capote de grande cabeção que o groom exilado do tílburi deixara no seu lugar e pô-lo pelas costas, depois do que tomou a atitude impassível de um criado de casa rica cujo amo conduz pessoalmente.

- E eu, vou ficar em cabelo? - protestou Andrea.

- Ora! Está tanto vento que a brisa pode muito bem ter-te levado o chapéu...

- Vamos então e acabemos com isto - resignou-se Andrea.

- Que te detém? - perguntou Caderousse. - Não sou eu, espero...

- Caluda! - recomendou Cavalcanti.

Atravessaram a Barreira sem contratempos.

Na primeira rua transversal, Andrea parou o cavalo e Caderousse apeou-se.

- Eh! - gritou Andrea. - Então e o capote do meu criado e o meu chapéu?

- Decerto não queres que corra o risco de me constipar... - redarguiu Caderousse.

- Mas eu?

- Tu és novo, ao passo que eu começo a estar velho. Até mais ver, Benedetto! E entrou na ruela, onde desapareceu.

- Infelizmente - disse Andrea, soltando um suspiro -, não se pode ser completamente feliz neste mundo!





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069