Uma dor horrível transpareceu no rosto de Morrel, que pegou na mão do conde e repetiu:
- Mas aquilo continua!
- E então? - redarguiu o conde, surpreendido com aquela insistência que não compreendia e olhando Maximilien atentamente. - Deixe continuar. É uma família de Atridas; Deus condenou-os e cumprirão a sentença; desaparecerão todos como aqueles frades que as crianças fazem com cartas dobradas e que caem um após outro sob o sopro do seu criador, mesmo que sejam duzentos. Foi o Sr. de Saint-Méran há três meses; foi a Sr.ª de Saint-Méran há dois meses; foi Barrois no outro dia, e hoje é o velho Noirtier ou a jovem Valentine.
- O senhor sabia?! - exclamou Morrel, num tal paroxismo de terror que Monte-Cristo estremeceu, ele que ficaria impassível se o céu desabasse. - O senhor sabia e não dizia nada!
- Que me interessava? - respondeu Monte-Cristo, encolhendo os ombros. - Conheço porventura essa gente, para salvar um à custa de perder outro? Palavra que entre o culpado e a vítima não tenho preferência.
- Mas eu, eu! - gritou Morrel, mal podendo conter a sua dor. - Eu amo-a!
- Ama quem? - perguntou Monte-Cristo, pondo-se em pé de um salto e agarrando as mãos que Morrel erguia, torcendo-as, para o céu.
- Amo perdidamente, amo como um insensato, amo como um homem que daria todo o seu sangue para lhe poupar uma lágrima; amo Valentine de Villefort, que estão a assassinar neste momento! Ouça bem: amo-a e pergunto a Deus e ao senhor como hei-de salvá-la!
Monte-Cristo soltou um grito selvagem, do qual só poderão fazer ideia aqueles que já ouviram o rugido do leão ferido.
- Desgraçado! - exclamou torcendo as mãos por sua vez. - Desgraçado! Amas Valentine, amas essa filha de uma raça maldita?!
Nunca Morrel vira semelhante expressão; nunca olhar tão terrível chamejara diante de si; nunca o génio do terror, que tantas vezes vira surgir nos campos de batalha ou nas noites homicidas da Argélia, lançara à sua volta raios mais sinistros.