O Conde de Monte Cristo - Cap. 94: A confissão Pág. 889 / 1080

O Sr. de Avrigny dizia que acreditava num envenenamento e até em dois envenenamentos. E ei-lo, meu caro Maximilien, homem honesto por excelência, ei-lo desde esse momento ocupado a tactear o seu coração, a sondar a sua consciência, para saber se deve revelar esse segredo ou calá-lo. Já não estamos na Idade Média, caro amigo, e já não existe Santa Vehme nem juízes francos. Que diabo pretende dessa gente? «Consciência, que me queres?», como diz Sterne. Vamos, meu caro, deixe-os dormir se dormem, deixe-os empalidecer nas suas insónias, se têm insónias, e, pelo amor de Deus, durma, visto não ter remorsos que o impeçam de dormir.

Uma dor horrível transpareceu no rosto de Morrel, que pegou na mão do conde e repetiu:

- Mas aquilo continua!

- E então? - redarguiu o conde, surpreendido com aquela insistência que não compreendia e olhando Maximilien atentamente. - Deixe continuar. É uma família de Atridas; Deus condenou-os e cumprirão a sentença; desaparecerão todos como aqueles frades que as crianças fazem com cartas dobradas e que caem um após outro sob o sopro do seu criador, mesmo que sejam duzentos. Foi o Sr. de Saint-Méran há três meses; foi a Sr.ª de Saint-Méran há dois meses; foi Barrois no outro dia, e hoje é o velho Noirtier ou a jovem Valentine.

- O senhor sabia?! - exclamou Morrel, num tal paroxismo de terror que Monte-Cristo estremeceu, ele que ficaria impassível se o céu desabasse. - O senhor sabia e não dizia nada!

- Que me interessava? - respondeu Monte-Cristo, encolhendo os ombros. - Conheço porventura essa gente, para salvar um à custa de perder outro? Palavra que entre o culpado e a vítima não tenho preferência.

- Mas eu, eu! - gritou Morrel, mal podendo conter a sua dor. - Eu amo-a!

- Ama quem? - perguntou Monte-Cristo, pondo-se em pé de um salto e agarrando as mãos que Morrel erguia, torcendo-as, para o céu.

- Amo perdidamente, amo como um insensato, amo como um homem que daria todo o seu sangue para lhe poupar uma lágrima; amo Valentine de Villefort, que estão a assassinar neste momento! Ouça bem: amo-a e pergunto a Deus e ao senhor como hei-de salvá-la!

Monte-Cristo soltou um grito selvagem, do qual só poderão fazer ideia aqueles que já ouviram o rugido do leão ferido.

- Desgraçado! - exclamou torcendo as mãos por sua vez. - Desgraçado! Amas Valentine, amas essa filha de uma raça maldita?!

Nunca Morrel vira semelhante expressão; nunca olhar tão terrível chamejara diante de si; nunca o génio do terror, que tantas vezes vira surgir nos campos de batalha ou nas noites homicidas da Argélia, lançara à sua volta raios mais sinistros.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069