O Conde de Monte Cristo - Cap. 107: O covil dos leões Pág. 995 / 1080

Aplicava o mesmo cuidado a fechar uma camisa de cambraia que mudara consideravelmente de cor desde a sua entrada na prisão, e passava pelas botas de verniz a ponta de um lenço com iniciais bordadas e encimadas por uma coroa heráldica.

Certos hóspedes do Covil dos Leões observavam com notório interesse os requintes de toilette do preso.

- Olha, lá está o príncipe a pôr-se bonito - comentou um dos ladrões.

- Já é muito bonito naturalmente - disse outro -, e se tivesse só que fosse um pente e brilhantina eclipsaria todos os cavalheiros de luvas brancas.

- A casaca devia ser novinha em folha e as botas ainda reluzem lindamente. Para nós é lisonjeiro ter camaradas tão tirados das canelas. Os bandidos dos gendarmes são bem reles... Invejosos! Rasgarem uma fatiota daquelas!

- Parece que é um dos águias - disse outro. - Já fez de tudo, e em grande... Apesar de tão novo, até já esteve nas galés! Que tipo!

E o alvo desta admiração horrível parecia saborear os elogios, ou o murmúrio dos elogios, pois não ouvia as palavras.

Terminada a toilette, aproximou-se do guiché da cantina, ao qual se encontrava encostado um guarda, a quem disse:

- Por favor, senhor, empreste-me vinte francos. Pagar-lhos-ei em breve. Comigo ninguém corre riscos... Lembre-se de que tenho parentes que possuem mais milhões do que o senhor soldos... Então, vinte francos, por favor. para alugar um quarto particular e comprar um roupão. Custa-me horrivelmente andar sempre de casaca e botas. E que casaca, senhor, para um príncipe Cavalcanti!...

O guarda virou-lhe as costas e encolheu os ombros. Nem sequer riu do palavreado, que teria desenrugado todas as testas; porque já ouvira muitos outros, ou antes, sempre ouvira a mesma coisa.

- Está bem, o senhor é um homem sem entranhas e far-lhe-ei perder o seu lugar - ameaçou Andrea.

Esta saída fez virar o guarda, que desta vez soltou uma ruidosa gargalhada.

Então os outros presos aproximaram-se e formaram círculo.

- Garanto-lhe - continuou Andrea - que com essa miserável importância poderei comprar uma casaca e alugar um quarto, a fim de receber decentemente a visita ilustre que espero, mais dia, menos dia.

- Tem razão! Tem razão! - gritaram os presos. - Demónio, vê-se bem que é um homem de classe.

- Então emprestem-lhe os vinte francos - redarguiu o guarda apoiando-se no seu outro ombro colossal. - Não acham que devem isso a um camarada?

- Eu não sou camarada desta gente - replicou orgulhosamente o jovem. - Não me insulte, não tem esse direito.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069