A Queda de um Anjo - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 41 / 207

Andava o ânimo de Calisto Elói martelado pelo desejo de pôr cobro ao luxo da gente de Lisboa, sendo grande parte neste intento o haverem-lhe os dois pisa-verdes do Parlamento metido a riso a sua casaca de briche. Impugnavam-lhe a ideia o abade de Estevães, e outros correligionários cordatos, mais entrados do espírito do século, e convencidos da inutilidade de atravessar represas à torrente caudal da índole de cada época. O deputado de Miranda respondia que viera de sua terra a cauterizar as chagas do corpo social, e não a cobri-las de adesivos e lenimentos paliativos em respeito à sensibilidade dos doentes. Rebelde às admoestações sisudas de amigos, que lhe receavam alguma queda mortal no conceito da Câmara, Calisto, provocado por um debate sobre importação e direitos de objectos de luxo, pediu a palavra, e o mesmo foi alvorotar alegremente a Câmara, desejosa de ouvi-lo.

Concedida a palavra, e feito o silêncio da curiosidade na sala, ergueu-se o morgado da Agra, e orou deste feitio:

— Sr. presidente. Os conselheiros dos antigos reis de Portugal, homens de claro juízo e ciência bastante, cortavam os abusos do luxo com pragmáticas, quando os vassalos se desmandavam em trajos, regalos e ostentações ruinosas do indivíduo, e, portanto, da cidade. O senhor rei D. Sebastião, que santa memória haja, promulgou justas e rigorosas leis sobre o uso das sedas. E, naquele tempo, Sr. presidente, Portugal ainda se banqueteava com a baixela de ouro do Pegu; ainda as paredes das salas nobres estavam colgadas de guadamecins e razes da Pérsia.





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