A Queda de um Anjo - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 76 / 207

A ofendida senhora pregou os olhos no firmamento de madeira, espreitou por ele o empíreo, com a dupla vista que dá a angústia, e murmurou:

— Céus! Que injustiça! Era dor que lhe encolhia os folipos das lágrimas. Não arranjou a chorar. Caiu de golpe na poltrona de mais capacidade e flacidez para quedas daquela natureza! E, tapando a face com as mãos alvíssimas, balbuciou, desentalando-se dos suspiros:

— Oh! que infeliz! que infeliz! Duarte inclinou-se com os lábios ao colo de Catarina, e disse afectuosamente:

— Perdoemos um ao outro. Estes ciúmes recíprocos dizem que nos amávamos por igual.

Não queria a magoada senhora perdoar; porém, como lhe faltasse fôlego de despejo para sustentar a cena, envergonhou-se de si mesma e teve dó do marido, a quem ela, e pai, e irmã deviam a decência, estado, representação e sociabilidade com as primeiras famílias de Lisboa.

Instantes foram estes de consciência reabilitada, que puderam muito com ela no decurso da vida, e prometem ser-lhe amparo até ao fim.

É-me pequeno o peito para o prazer que sinto, relatando este caso, que é único dos meus apontamentos, em igualdade de circunstâncias. Ainda há gente boa e de muitíssima virtude; isto é que é verdade.

O fautor deste sucesso, com que a gente se consola, foi, sem debate, Calisto Elói, aquele anjo!

Com que delícias de alma contemplava ele a restaurada ventura daqueles casados, e o júbilo do desembargador! E os agradecimentos do ancião, que bem lhe faziam ao peito honrado!





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