- Foi... - clamou Joana, e suspendeu-se, quando encontrou os olhos de Ângela, que pareciam recriminá-la com profundíssima dor.
- Foi... o quê? - perguntou Francisco José da Costa, fingindo-se embaraçado pelos olhares mútuos das duas.
- Nada... - dissimulou Joana. - Queria eu dizer que foi uma falsidade.
- Falsidade!... não foi... O homem não mentia; nem tu, Ângela, permitirás que a nossa Joana desminta teu defunto marido - objetou ele, sorrindo às inquietas visagens da viúva. - E continuou: - Como hei de eu entrar num segredo que teu marido não penetrou com toda a sua policia administrativa e espionagem de amigos! Não ouso, minha amiga, pedir-te a confidência... Teu marido queria morrer convencido que o seu ouro andava por mãos de quem lhe disputara e vencera a alma da esposa. Parece que o homem não se dispensava desta ignorância para poder alegá-la nas contas dadas ao juiz que via as tuas lágrimas, minha santa amiga. Eu, porém, não consenti que ele se prevalecesse da sua ignorância, e jurei, pela minha honra, que tu deras de esmola 1.650$000 réis. Mas o que tu davas de esmola, nas mãos do beneficiado, chamava-se roubo em relação a teu marido, que era o senhor do objeto esmolado. Fui roubado - poderia ele dizer ao juiz supremo. - Minha mulher estaria inocente quanto aos deveres de esposa; mas, como parte do meu ser mercantil, defraudou-me em 1.650$000 réis - quantia que ele tinha gravado ao cérebro com letras de betume ardente. Ora, supondo mesmo que tinhas sido roubada, por quem quer que fosse, e iludida em tua ardente caridade, Ângela, restava-lhe a ele a possibilidade de uma restituição que, afinal, dilucidasse o mistério da tua inocência. Com o propósito de lhe criar esperanças de ainda ser embolsado, contei-lhe eu, Joana, a história daquele dinheiro, que te foi restituído, quando tu nem o esperavas, nem tinhas remoto conhecimento do roubo.