XVII - História dos brilhantes Em janeiro de 1842, Hermenegildo Fialho passou a residir no Porto em casa sua, mobiliada pomposamente, na rua do Bispo.
Diga-se desde já, para anteparar estranhezas futuras, que o brasileiro andava cismático e a modo de melancólico.
Não se descosia com ninguém, porque a irmã, sua confidente, ficara a governar a quinta dos Choupos. É, todavia, fácil entrar nas cavernas daquele peito, sem embargo do enxundioso arnês.
Fialho conjectura que Ângela o aborrece. Nem um sorriso, nem uma carícia, nem uma palavra que não seja resposta concisa e seca. Ele não ousa argui-la; mas, se mansamente se queixa, Ângela responde com um franzir de testa e um silêncio tétrico.
Principia o arrependimento a desbastar-lhe as opulências musculares, e o fígado a dar rebates de desordem intestinal. Recorre aos emolientes; mas a esposa, como ele revelou ao compadre Atanásio, manda-lhe cingir as papas por um galego.
Ângela faz isto inocentemente. E talvez que, matrimoniada com um arcanjo, não pusesse mão em linhaça, se os arcanjos pudessem sofrer do fígado.
Debaixo das telhas do próximo passam agonias ridículas que não viu o dom Cleofas de Le Sage.
Vitorina está sempre a procurar na cara do amo sinais de morte. Se o vê mais amarelo, ou mais vermelho, com o nariz menos sucoso, e os olhos mais encovados, diz logo a Ângela: “O homem não tarda!”. A frase era elipticamente econômica; o não tardar era ir depressa para a sepultura.
Resolvido a viver e distrair-se, Fialho abriu escritório na Reboleira e comprou navios. E distraía-se. A bailes e teatros não ia, nem Ângela os desejava. Como é já notório, em substituição à missa, comprou oratório para uso da esposa. Hermenegildo, em matéria de religião, era bestial.