XXII - Felicidade suprema Em abril de 1850, Ângela e Joana, sentadas no quintalinho de sua casa, debaixo duma amendoeira florida, ao entardecer, descansavam do trabalho do bastidor de que tiravam bons lucros em bordados de ouro.
Joana, embelezada na formosura de sua amiga, dizia-lhe:
- Como vossa excelência, nesta pobreza, ganhou o que tinha perdido na opulência da sua casa! É bem certo que a felicidade está em mui pouco! Eu a temer que a Sr.ª D. Ângela envelhecesse nestas estreitezas da nossa casa, e não se habituasse a isto; e quis Deus que, em dez meses, eu a não visse triste senão quando veio a primeira carta do meu Francisco...
- Pois olhe, minha amiga, eu estava agora triste...
- Por quê?! Vi-a calada; mas cuidei que não era tristeza...
- Era...
- E é segredo?
- Não, minha amiga... Segredos quando eu não posso distinguir as nossas almas uma da outra... Eu lhe conto... Estava a dizer comigo: o meu futuro qual será? Tenho vinte e nove anos. Se me recordo do que passei, imagino que a vida já é longa e deveria estar por pouco; mas, diante de mim, vejo os anos demorados daqui até à velhice, até aos sessenta anos da nossa Vitorina, que espera ainda viver até os oitenta. Muito se vive quando se sofre!... E o que mais espanta é que nem a desesperação infunda um sincero desejo de morrer... Aqui estou eu a lastimar-me, a perguntar o que há de ser de mim, a ver a precisão de se acabar esta sossegada vida que tenho; e, apesar do escuro das minhas nenhumas esperanças, desejo viver... para quê?
- Deus lho irá dizendo, minha senhora. Se eu dissesse à minha amiga que esperasse resignada, seria uma indiscreta conselheira. Quem pode dar lições mais sublimes de paciência que a Sr.ª D. Ângela?
- Paciência, sim; não me há de abandonar esta providência dos infelizes.