XX - O Doente e o doutor Em fins de 1848 perfazia dois anos e meio que Francisco José da Costa demorava no Rio, gozando os proventos de seus muitos trabalhos e créditos. As remessas de dinheiro feitas à irmã denunciavam o propósito de voltar proximamente à pátria. Uma instante recomendação fazia ele: era a compra da casinha de Viana, que Francisco ainda via luzente e doirada das ilusões de sua mocidade. Talvez que ali vá acabar os meus dias - escrevia ele. - Tenho posses para mais; no entanto, as minhas esperanças não vão mais longe; e as tuas, pobre Joana, são ver-me resignado na tristeza.
Era, pois, em novembro de 1848.
O doutor Costa, como no Rio o honorificavam, foi chamado para visitar um enfermo já seu conhecido e de muita consideração.
Era Hermenegildo Fialho de Barrosas - o roliço devasso que ele não tornara a ver desde o almoço de Petrópolis.
Encontrou-o doente do fígado: desconfiou da enfermidade naquele clima, e no afogo do verão.
O acerto do tratamento desfez os mais graves sintomas: receava, não obstante, o facultativo que o doente recaísse por demasias de gulodice em que a enfermeira se mostrava complacente amiga, e lambaz quinheira.
Hermenegildo não dispensava duas visita diárias, pagando-as com generosidade, porque, dizia ele:
- Sou muito rico, conto mais de duzentos contos, não tenho herdeiros. Tinha uma irmã, que já morreu há três meses, com paixão de me ver sair de Portugal para nunca mais. Não poupe o meu dinheiro, Sr. Costa; e de cada vez que vier conte com uma nota de cem mil réis. O que eu quero é saúde para gastar o que tenho; que já não sou capaz disso.
- Então vossa senhoria não teve filhos de sua senhora? - perguntou o doutor.
- Nada, não tive, nem tenho de ninguém. Não sou de casta.