I - Aflições sudoríferas Em um frigidíssimo dia de janeiro de 1847, por volta das nove horas da manhã, o Sr. Hermenegildo Fialho Barrosas, brasileiro grado e dos mais gordos da cidade eterna, estava a suar, na rua das Flores, encostado ao balcão da ourivesaria dos Srs. Mourões. As camarinhas aljofravam a brunida testa de Fialho Barrosas, como se a porosa cabeça deste sujeito filtrasse hidraulicamente o estanque de soro recluso no bojo não vulgar do mesmo.
Era o suor respeitável da mortificação; o esponjar das glândulas pela testa, quando as lágrimas golfam dos seus poços, e não bastam já olhos a estancá-las. Era, enfim, a dor que flameja infernos em janeiro, e tira dum homem adiposo e glacial lavaredas, como o Etna as repuxa por entre as neves do seu espinhaço.
Sondemos o que se passa dentro daquele corpo, e desinchemos as bochechas do estilo.
Hermenegildo Fialho tinha recebido, às oito da manhã, no seu escritório de consignações e descontos na rua das Congostas, um bilhete da ourivesaria Mourão, convidando-o a entrar naquele estabelecimento, quando pudesse, para negócio urgente.
O substantivo “negócio” abalou-o. O adjetivo “urgente” sacudiu-o.
Pôs o chapéu, revestiu de borracha os pés impermeáveis, afligindo-os; enroscou a cara no “cachenez”, sobraçou o guarda-chuva, e foi impando, costa acima, pelo largo de S. Domingos, resmoneando no íntimo de si: “Negócio urgente!... que diabo de urgente negócio será este com o ourives!?...”
- Então que temos? - perguntou o esbofado Barrosas, e sentou-se na gemente cadeira.
E os Srs. Mourões disseram pouco mais ou menos o seguinte: Que, seis anos antes, ele, brasileiro, lhes havia comprado um adereço de brilhantes, composto de gargantilha, brincos, broche e bracelete, por 6.