XXVI - A Providência Pernoitou em Ponte do Lima, no ano de 1853, um cavalheiro de Chaves, de apelido Pizarro, em casa de parentes que também o eram do general Simão de Noronha.
Dizia-se, à mesa da ceia, que o general aceitara o título de conde de Gondar, na última velhice, cego, sem descendência, sem sociedade, sem o mínimo prazer da vida, sequestrado de toda a convivência, e, segundo se contava, tão desvairado de razão que deixava três enormes casas de bens livres aos irmãos da mulher da infama ralé com quem casara na primeira mocidade.
- E está cego o tio conde de Gondar? - perguntou o fidalgo de Chaves. - Cego sem remédio?
- Se tivesse remédio, tê-lo-ia achado em Paris, onde já foi duas vezes.
- Na minha província e perto de mim - tornou o flaviense - há um cirurgião da moderna escola que tem feito prodígios em operações de olhos. Se eu soubesse que o conde consentia ser examinado, obrigava-me a trazer-lhe o doutor Costa, como lá se chama, sem favor, ao admirável facultativo.
- Quem lho há de perguntar? Há mais de dez anos que não recebe nem visita alguém.
- Não importa: hei de eu ir procurá-lo.
Foi; anunciou-se, e teve entrada, porque o conde lembrou-se de ter conhecido, nas primeiras lutas da liberdade, um general, tio do cavalheiro anunciado.
Disse o visitante o propósito que o levava. Contou as maravilhas do doutor Costa e ofereceu-se a conduzi-lo à Ponte.
- Será inútil; mas que venha. Irá a minha liteira buscá-lo. Se eu pudesse ir...
- E por que não vai, senhor conde? - aproveitou o parente, aplaudindo o desejo. - O exercício deve ser-lhe útil. São dois dias e meio de jornada. Se ele se resolve a operá-lo, vossa excelência vai residir em Chaves na minha casa, ou em Monte Alegre, onde há boas