VII - Revelações cómicas Às onze da noite daquele dia, Hermenegildo Fialho rebolava-se no enxergão de penas, e gemia uns gemidos que soavam como regougo de raposa. A comadre foi escutá-lo à porta, e veio dizer ao marido que o compadre estava a gemer de saudades da indigna mulher. Ajeitou-se à esposa escandalizada boa ocasião de cortar nas mulheres desleais; o marido, porém, que tinha, às vezes, conscienciosas brutalidades, tapou-lhe os respiradoiros da ira, murmurando:
- Cala-te, cala-te; e não me cantes tretas a mim...
A esposa encolheu-se; odiou mais do intimo o marido, e gozou o néctar dos deuses, o prazer da vingança antecipada, e a prelibação da vingança por vir. Ah! Atanásios, Atanásios!...
Ergueu-se o verdugo de caixeiros desonestos (Veja o cap. III) e foi ao quarto do hóspede.
- Que tem, compadre? - perguntou ele. - Não pode dormir? Estranha a cama, ou que é?
- É uma dor de barriga - respondeu o triste, apanhando nas mãos a parte dorida, e acocorando-se. - Fez-me mal o empadão das ostras. Dá-me você um bocado de Holanda, a ver se esmoo este diabo de marisco?
Fialho sugou na botija, e daí a pouco tinha esmoído o empadão, e rebentava-lhe tanta saúde pela cara fora que parecia desafiar todas as ostras do Sr. Bocage e perturbar-lhe o sono.
Mas o compadre, sentando-se-lhe na cama, perguntou:
- Quer você cavaco? Ainda agora deram as onze.
- Vá lá; vamos conversar, que eu estou espertinado.
- Você nunca desconfiou de sua mulher?
- Eu nunca.
- Não ia lá por casa ninguém...
- Nem alma viva, a não ser a costureira. Visitas foi coisa que nunca me entraram das portas p’ra dentro, afora você e mais a sua patroa.
- Mas no teatro...
- Teatro! tó carocha! Foi lugar onde nunca a levei...
- E na missa?
- Missa!.