XV - Meio milhão! Ao cabo de onze léguas de jornada, encontraram a quinta dos Choupos, residência de Rita de Barrosas, que os do sítio chamavam a Sr.ª D. Rita brasileira.
Quando apearam, Hermenegildo estava no espaçoso pátio vigiando os pedreiros que derruíam uma antiga torre de arquitetura manuelina para construir nos alicerces dela uma capoeira.
Fialho, habituado a ouvir repetidas descrições da formosa fidalga, reconheceu Ângela. Apertou o cós das ceroulas, abotoou o colete amarelo, deu um jeito ao colarinho desengravatado, e foi ao portão receber a hóspeda, mandando chamar a irmã.
- Faça favor de desculpar este desarranjo, minha senhora... - disse ele referindo-se às mouras verdes acalcanhadas, onde os pés jubilavam em pleno desafogo dos joanetes. - Vossa... vossa excelência é a Sr.ª D. Ângela, amiga cá da Rita?
- Sim, senhor... Como está ela?
- Rita como um pêro. Ela aí vem a quatro pés!... A mulher é sua amiga como nunca vi!...
- Também eu dela.
Rita abraçou Ângela pelos joelhos, e levantou-a, exclamando:
- Pilhei-a! pilhei-a! não torna a sair daqui a Sr.ª D. Ângela, senão para a companhia dos anjos, que não são tão lindos!
E com estes e outros sinceros encarecimentos entraram nas vastas salas, onde o brasileiro tinha recolhido as espigas do milhão a monte, de mistura com as cebolas, e as nozes e as castanhas.
Passado este lanço da casa, que havia sido convento de ordem rica, no ângulo formado pela vasta quadra, as salas e quartos estavam decorados com luxuoso e atrapalhado mau gosto.
- Aqui é a parte da casa que pertence à fidalga e à nossa Vitorina - disse Rita, com aprovação de Hermenegildo, manifestada por um sorriso.
- Como tudo isto é bonito! - exclamou sinceramente Ângela. - Uma princesa ficaria contente.