XXIII - Os homens honestosSeis meses depois, Atanásio José da Silva, Pantaleão Mendes Guimarães e Joaquim António Bernardo, reunidos na famigerada bodega do Maneta do Reimão, onde em certos dias iam sevar-se na pescada e cebolas, bodo peculiar daquela taverna, praticavam do seguinte teor:
- Acertamos ou não?... - dizia Atanásio. - Viram vocês como afinal tudo se descobriu? Não, que certos lorpas inda diziam que o adultério da tal Sr.ª Ângela não estava provado... Aí a tem agora casada com o sujeito... E nem deixou passar um ano sobre a morte do marido, percebem vocês?
- Pois isso estava claro física e moralmente falando - obtemperou Joaquim António. - O mariola era um estudante de cirurgia, segundo ouvi contar. Olha se o Hermenegildo não tem as coisas seguras, que lá se regalava agora o troca-tintas com bem bom dele! E dizia aqui o nosso Pantaleão, quando veio a notícia da morte do nosso amigo, que se procurasse a viúva, e se lhe desse alguns contos de réis! Parece-me que o marido se levantaria da cova, se tal fizéssemos!
- É que eu - explicou o marido de Francisca Ruiva - ainda cuidava que ela teria feito a sua asneira, e que se tivesse arrependido; mas à vista do que acontece, nem um dardo! (E descendo a voz, continuou) : Ó amigo Atanásio, aqui entre nós, seu primo do Rio é que a fez limpa! Sem trabalho nenhum, nem risco, nem nota de ladroagem, pilhou os seus quarenta contos fortes... Apre que é ladrão, e perdoe você por ser seu parente...
- Que queriam vocês? - desculpou-se Atanásio - eu incumbi meu primo do negócio porque não via pessoa mais hábil, percebem vocês? Cuidava eu que ele entregaria os títulos acomodando-se com uma pechincha de meia dúzia de contos: mas vocês bem viram a carta dele. Ou me dão quarenta contos, ou entrego os títulos à viúva ou herdeiros de Fialho.