- Desculpa!... - interrompeu Ângela.
- Sim, filha. Porventura, tu já te justificaste? E eu já me justifiquei? Não. A sociedade sabia que uma mulher casada vendeu uns brilhantes; que o marido dessa mulher a expulsou; que esse marido morreu; que um homem, seis meses depois, aparece casado com a viúva do roubado, do assassinado a punhaladas de desonra... Que queres, Ângela? Quem ousará defender-nos?
- Mas faz tu pública essa paga assinada por...
- Deus me livre, minha louca. A quitação foi escrita e assinada para que soubesses que não devias nada a teu marido, e que a roubada em tuas jóias tinhas sido tu. Satisfações à sociedade? São justas, quando ela não condena antes de ouvir os réus, quando não escarra nas faces das vítimas, antes de examinar os vincos por onde passaram as lágrimas. A nossa causa de moral pública está perdida; não obstante, a reabilitação davam-ta os juizes, se houvesses herdado os duzentos contos de Fialho. Os que me denigrem o caráter, se eu a esta hora fosse o marido da viúva com duzentos contos, chamando-me “tratante feliz”, sentar-se-iam lisonjeados nos coxins das minhas cadeiras, e pediriam aos meus lacaios, com urbanidade, o favor de me entregarem os seus bilhetes de visita. Mas, filha, esta soledade que mora à volta de nós é o cordão com que a mão da Providência abaliza a felicidade de duas almas que não podem corar uma da outra. Quando eu desejar mais do que tenho, quando invejar felicidades que não sei imaginar, Ângela, hei de pedir-te perdão de ter sido o mais vil dos teus inimigos.
Apertou-o Ângela com arrebatamento nos braços, e murmurou:
- Se tu quisesses.