O Conde de Monte Cristo - Cap. 110: O libelo acusatório Pág. 1016 / 1080

- Será agora que estará disposto a dizer o seu nome? - perguntou o presidente ao réu. - A afectação brutal com que enumerou os seus vários crimes, que qualificou de confissão, e a espécie de ponto de honra que lhe atribui, coisa por que, em nome da moral e do respeito devido à humanidade, o tribunal o deve repreender severamente, são talvez o motivo que o levaram a não dizer imediatamente o seu nome; quis salientar esse nome com os títulos que o precedem.

- É incrível, Sr. Presidente - redarguiu Benedetto, no tom de vez mais gracioso e com as maneiras mais delicadas -, como leu no fundo do meu pensamento. Foi com efeito com esse fim que lhe pedi que invertesse a ordem das perguntas.

O espanto atingira o cúmulo, já não havia nas palavras do réu nem bravata, nem cinismo. Impressionado, o auditório pressentia qualquer raio fulminante no fundo daquela nuvem sombria.

- Pois bem, o seu nome? - perguntou o presidente.

- Não lhe posso dizer o meu nome porque o não sei; mas sei o do meu pai e esse posso dizer-lho.

Um deslumbramento doloroso cegou Villefort; viram-se cair-lhe das faces gotas de suor ácidas e rápidas em cima dos papéis que revolvia com mão convulsa e desorientada.

- Diga então o nome do seu pai - prosseguiu o presidente.

Nem uma aragem. nem um sopro, perturbavam o silêncio da imensa assembleia; toda a gente esperava.

- O meu pai é procurador régio - respondeu tranquilamente Andrea.

- Procurador régio?! - exclamou com estupefacção o presidente, sem notar a transformação que se operava na cara de Villefort. - Procurador régio?!

- Sim, e uma vez que deseja saber o seu nome, vou dizer-lho: chama-se Villefort!

A explosão tão longamente contida pelo respeito que em audiência se dispensa à justiça brotou como um trovão do fundo de todos os peitos; o próprio tribunal não pensou em reprimir aquele movimento da multidão. As interjeições e as injúrias dirigidas a Benedetto, que permanecia impassível, os gestos enérgicos, a agitação dos gendarmes e o riso escarninho da parte lodosa que em todas as assembleias sobe à superfície nos momentos de perturbação e escândalo, tudo isso durou cinco minutos antes que os magistrados e os oficiais de diligências conseguissem restabelecer o silêncio.

No meio de todo aquele barulho ouvia-se a voz do presidente, que gritava:

- O réu zomba da justiça e ousa dar aos seus concidadãos o espectáculo de uma corrupção que, numa época que no entanto não deixa nada a desejar a tal respeito, ainda não teve igual!





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069