O Conde de Monte Cristo - Cap. 107: O covil dos leões Pág. 996 / 1080

Os ladrões entreolharam-se no meio de murmúrios abafados, e uma tempestade, levantada pela provocação do guarda, mais ainda do que pelas palavras de Andrea, começou a bramir sobre o preso aristocrata.

O guarda, certo de fazer o quos ego quando as vagas se tornassem demasiado alterosas, deixou-as crescer pouco a pouco para dar uma lição ao importuno solicitador e divertir-se um bocado durante o longo dia de guarda.

Os ladrões começaram a aproximar-se de Andrea; uns gritavam:

- O chinelo! O chinelo!

Cruel operação que consiste em moer de pancada, não com um chinelo, mas sim com um sapato ferrado, um companheiro caído em desgraça.

Outros propunham a «enguia», género de divertimento que consiste em encher de areia, seixos ou soldos, quando os há, um lenço torcido, que os carrascos descarregam como um chicote nas costas e na cabeça do paciente.

- Chicoteemos o lindo cavalheiro! - gritaram alguns. - O senhor honesto!...

Mas Andrea virou-se para eles, piscou o olho, inflou a face com a língua e fez ouvir esse estalido de lábios que equivale a mil sinais de inteligência entre os bandidos impedidos de falar.

Era um sinal maçónico que lhe ensinara Caderousse.

Os outros reconheceram um dos seus.

Os lenços desceram imediatamente; o sapato ferrado regressou ao pé do principal carrasco. Ouviram-se algumas vozes proclamar que aquele senhor tinha razão, que aquele senhor podia ser honesto à sua maneira, e que os presos queriam dar o exemplo da liberdade de consciência.

O temporal amainou. O guarda ficou de tal modo estupefacto que agarrou imediatamente Andrea pelas mãos e pôs-se a revistá-lo, atribuindo a alguma manifestação mais significativa do que a fascinação a mudança súbita dos habitantes do Covil dos Leões.

Andrea deixou-se revistar, embora protestando.

De súbito, soou uma voz ao guiché.

- Benedetto! - gritou um inspector.

O guarda largou a presa.

- Quem me chama? - perguntou Andrea.

- Ao parlatório! - respondeu a voz.

- Vê como me vêm visitar? Ah, meu caro senhor, vai ver se se pode tratar um Cavalcanti como um homem vulgar!

E Andrea, deslizando pelo pátio como uma sombra negra, correu para a porta do guiché, que se encontrava entreaberta, deixando embasbacados os companheiros e o próprio guarda.

Chamavam-no efectivamente ao parlatório, o que não deveria causar menos admiração do que ao próprio Andrea; porque o astucioso rapaz, desde a sua entrada na Force, em vez de utilizar, como a maioria dos companheiros, a faculdade de escrever para pedir auxílio, guardara o mais estóico silêncio.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069