A Queda de um Anjo - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 10 / 207

Um dos mais graves e anciãos lavradores, regedor, ensaiador e ponto nos entremezes do Entrudo, exclamou:

— Aquilo é que dava um deputado às direitas! Um homem assim, se fosse a Lisboa falar ao rei, as contribuições haviam de acabar! — Isso não, perdoará vossemecê, tio José do Cruzeiro — observou o mestre-escola — os impostos é necessário pagá-los. Sem impostos, não haveria rei nem professores de instrução primária (observem a modéstia da gradação!) nem tropa, nem anatomia nacional.

O mestre-escola havia lido, repetidas vezes, no Periódico dos Pobres, as palavras autonomia nacional. Falhou-lhe desta feita a memória, lapso que não destoou em nenhumas orelhas, exceptuadas as do boticário, que resmungou:

— Anatomia nacional!

— Que é?! — perguntou ao farmacêutico um estudante de clérigo.

— Parece-me que é asneira! — respondeu o outro com certa indecisão.

Prosseguiu, concluindo, o mestre-escola:

— E, portanto, os tributos, tio José do Cruzeiro, são necessários ao Estado como a água aos milhos. Ora, agora, que há muito quem bebe o suor do povo, isso há; e aqueles que deviam ser bem pagos são os que menos comem da fazenda nacional. Aqui estou eu, que sou um funcionário indispensável à Pátria, e receberia cento e noventa réis por dia, se não trouxesse rebatidos seis recibos a trinta e seis por cento, de modo que venho a receber seis e cinco! Que país!… O senhor morgado disse bem: estamos chegados aos tempos dos Dioclecianos e Calígulas!

O auditório já vacilava em decidir qual dos dois era mais talhado para ir falar ao rei a Lisboa, se Calisto, se o mestre-escola.





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