Relanceou o farmacêutico uma olhadela esguelhada ao professor, o qual, abanando três vezes e de compasso a cabeça, dava assim a perceber que abundava na admiração do seu amigo e consócio erudito em história romana.
Obrigado às orelhas do auditório atento, Calisto, em toada de Ezequiel, continuou:
— Portugal está alagado pela onda da corrupção, que subverteu a Roma imperial! Os costumes de nossos maiores são metidos a riso! As leis antigas, que eram o baluarte das antigas virtudes, dizem os sicofantas modernos que já não servem à humanidade, a qual, em consequência de ter mais sete séculos, se emancipou da tutela das leis. (Alusão ervada aos vereadores de Miranda, que discreparam do intento restaurador do foral dado por D. Afonso. Vinham a ser sicofantas os colegas municipalenses.) Credite, posteri! — exclamou Calisto Elói com ênfase, nobilitando a postura.
O latim não lho entenderam, salvo o mestre-escola, que, antes de ser sargento de milícias, havia sido donato no convento dominicano de Vila Real.
E repetiu: Credite, posteri!
Nesta ocasião, saiu da igreja a Sra. D. Teodora Figueiroa, e disse ao esposo:
— Vem daí, Calisto. Vamos jantar, que é uma hora, e já vai o padre pregador para casa.
Engoliu o morgado três frases de polpa, que lhe inflavam os bócios, e foi ao jantar, sacrificando-se à regularidade das suas horas inalteráveis de repasto.
Ficaram o boticário e o professor de primeiras letras, e mais os lavradores, ruminando as palavras do fidalgo, e glosando-as de notas ilustrativas, ao alcance das capacidades.