A Queda de um Anjo - Cap. 23: Capítulo 23 Pág. 126 / 207

Este enguiçado Barbuda, na volta de Campolide, não teve uma lágrima que chorasse sobre a sua dignidade esfarrapada. Circunvagou a vista pelos seus livros, figurou-se-lhe ver na lombada de cada in-fólio o olho de um demónio zombeteiro, bem que aqueles pergaminhos encadernassem almas, no céu bem-aventuradas, e na terra imorredoiras, almas que neste mundo se chamaram frei João de Jesus Cristo, frei Pantaleão de Aveiro, frei António das Chagas, e dezenas destes talismãs, que têm salvado o leitor e a mim de soçobrarmos nos parcéis que esbravejam à volta de Calisto.

Eram duas da manhã quando o morgado experimentou uma sensação, que viria a definir-lhe o espírito, se alguém carecesse de ver este homem a luz extraordinária.

Nas águas-furtadas do andar em que ele morava, residia uma viúva de um tenente, senhora de anos insuspeitos, de muitas lérias, minguada de recursos, e, por amor disso, se oferecera a cuidar da casa e da cozinha do deputado. Às duas horas, pois, bateu Calisto à porta da vizinha, e, como ela lhe falasse, exprimiu ele a sensação imperativa que o levou ali, por estes termos:

— Sra. D. Tomásia, há por aí alguma coisa que se coma?

— Não há nada feito; mas eu vou fazer chá, Sr. Barbuda, e o que V. Exa. quiser.

— Olhe se me pode frigir uns ovos com presunto — volveu ele.

— Pois lá vão ter daqui a pouco.

— Veja lá que se não constipe, Sra. D. Tomásia — recomendou ele.

— Não tem dúvida. Olhe que eu tenho muito que lhe dizer. Achou um bilhete de visita na escrivaninha? — perguntou D. Tomásia pelo buraco da fechadura.





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