A Queda de um Anjo - Cap. 5: Capítulo 5 Pág. 17 / 207

Pareceu-lhe também pesada e salobra a água. Recorreu ao seu clássico Luís Mendes, no artigo Água, e leu que o chafariz de El-Rei dava uma linfa gostosa e de suave quentura, a qual limpava a garganta de toda a rouquidão, e afinava as vozes e assim, dizia o clássico, não errará quem disser que ela é causa das boas vozes que em Lisboa docemente ouvimos cantar; e também dos bons carões que conservam as mulheres. Quanto aos bons carões das mulheres, Calisto, que, de um relancear honesto de olhos, observara os rostos pálidos e esgrouviados de algumas senhoras de Lisboa, não podendo arguir de falácia o dizer de Luís Mendes, atribuiu à degeneração dos costumes e raças o descarnado e amarelido das caras; no tocante à suavidade das vozes, ficou indeciso, não querendo desmentir o seiscentista, nem formar conceito por uns grunhidos de cantarola bárbara com que os vendilhões pregoavam os comestíveis. Todavia, como a água do chafariz de El-Rei aclarava o órgão vocal, e Calisto, à força de berrar ao pé do açude e das azenhas, estava um tanto rouco, mandou buscar um barril daquela salutífera água, que o Mendes de Vasconcelos compara à das fontes Camenas. Bebeu à tripa forra o deputado, e teve uma dor de barriga precursora de febres quartãs. Valeu-se ainda do seu clássico, e por conta dele mandou buscar à Pimenteira outro barril de água, a qual, diz o citado autor, se busca para os doentes de febres.

O velho criado e enfermeiro, quando viu o seu amo encharcado e cada vez pior, foi de moto próprio em cata do cirurgião, o qual deu o morgado rijo e fero em quinze dias com algumas beberagens quinadas.





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