A Queda de um Anjo - Cap. 32: Capítulo 32 Pág. 181 / 207

No dia da partida, a despedaçada senhora experimentou um ataque de eloquência. Entrou com o almoço no gabinete do marido, e bradou:

— Então que é isto? Entendamo-nos.

— Isto quê?

— Sempre vais para a vida perdida?

— Vou hoje para Lisboa — respondeu serenamente Calisto Elói, dobrando em maços os títulos de sua casa.

— E então da tua mulher não queres saber mais nada?

— Minha mulher fica em sua casa, e eu vou cumprir os meus deveres como deputado.

— Mas eu não quero saber disso.

— Então que queres tu saber, prima Teodora?

— Quero saber a lei em que hei-de viver.

— Vive na Lei de Deus.

— E tu na do diabo, ein?

— Berra pouco.

— Hei-de berrar o que eu quiser.

— Pois berra, que eu não te hei-de ouvir muito tempo.

— Se isto é assim, quero separar-me.

— Separa-te.

— Vou para o morgadio de Travanca.

— Pois vai.

— Cada qual fique com o que é seu.

— Pois sim. Leva daqui o que for teu.

A desesperação de Teodora aumentava à medida que a fleuma do marido lhe cravava o dardo do desengano no coração ainda fiel. Começou a pobre mulher a saltar no pavimento, sem proferir sons articulados. Expedia uns grunhidos roucos, que fizeram pavor a Calisto. Este feíssimo trejeitar desfechou num insulto nervoso, com sintomas epilépticos.

A comiseração feriu as estragadas entranhas do morgado. Foi apanhar a mulher do chão, reteve-lhe os braços que escabujavam, e levou-a dali para um leito, onde a deixou entregue às criadas e ao primo Lopo de Gamboa, que vinha entrando.





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