O cortinado estava corrido.
E no entanto a imagem do pai estava-lhe de tal modo presente que se dirigiu à janela fechada como se estivesse aberta e visse ainda o velho ameaçador.
- Sim - murmurou -, sim, pode estar tranquilo! A cabeça descaiu-lhe para o peito e com ela assim inclinada deu alguns passos no gabinete. Por fim; atirou-se vestido para cima de um canapé, menos para dormir do que para descontrair os membros insensibilizados pela fadiga e pelo frio, que lhe penetrara até à medula dos ossos.
Pouco a pouco toda a gente se levantou. Do seu gabinete, Villefort ouviu o sucessivos ruídos que constituíam por assim dizer a vida da casa: as portas maciças em movimento, o toque da campainha da Sr.ª de Villefort a chamar a sua criada de quarto, os primeiros gritos do garoto, que se levantava alegre como nos levantamos habitualmente na sua idade.
Villefort tocou por seu turno. O seu novo criado de quarto entrou e entregou-lhe os jornais.
Juntamente com os jornais trouxe uma chávena de chocolate.
- Que me traz aí? - perguntou Villefort.
- Uma chávena de chocolate.
- Não a pedi. Quem tomou essa decisão por mim? - A senhora. Disse-me que o senhor falaria decerto muito hoje, nesse caso de assassínio, e que necessitava de recuperar forças.
E o criado pôs em cima da mesa colocada junto do canapé - mesa, como todas as outras, carregada de papéis - a chávena de prata dourada
Depois, saiu.
Villefort olhou um instante a chávena, com ar sombrio, e depois, de súbito, pegou-lhe com um gesto nervoso e bebeu de um só trago a beberagem que continha. Dir-se-ia esperar que a beberagem fosse mortal e que procurava a morte para o libertar de um dever que lhe ordenava coisa muito mais difícil do que morrer. Depois levantou-se e passeou no gabinete com uma espécie de sorriso, que seria terrível de ver se alguém o visse.
O chocolate era inofensivo e o Sr. de Villefort não experimentou nada.
Chegada a hora do pequeno-almoço, o Sr. de Villefort não apareceu à mesa. O criado de quarto voltou a entrar-lhe no gabinete.
- A senhora manda prevenir o senhor de que acabam de dar onze horas e a audiência está marcada para o meio-dia.
- E depois? - perguntou Villefort.
- A senhora arranjou-se, está pronta, e pergunta se pode acompanhar o senhor.
- Aonde?
- Ao Palácio da Justiça.
- Para quê?
- A senhora diz que gostaria muito de assistir à audiência.
- Ah, ela disse isso?! - exclamou Villefort num tom quase assustador.
O criado recuou um passo e sugeriu:
- Se o senhor deseja ir só, eu vou dizer à senhora.