»Depois, julgando que o que fora enterrado fosse algum tesouro, abriu a cova e encontrou-me ainda vivo. Esse homem levou-me para o Albergue das Crianças Abandonadas, onde me inscreveram sob o número 57. Três meses depois a irmã do meu salvador veio de Rogliano a Paris procurar-me, reclamou-me como seu filho e levou-me. Aqui está como, apesar de nascido em Auteuil, fui criado na Córsega.
Houve um instante de silêncio, mas de um silêncio tão profundo que, sem a ansiedade que pareciam respirar mil peitos, julgar-se-ia a sala vazia.
- Continue - disse a voz do presidente.
- Claro - prosseguiu Benedetto - que poderia ter sido feliz em casa dessa boa gente, que me adorava. Mas a minha natural perversidade levou a melhor sobre todas as virtudes que a minha mãe adoptiva tentou incutir-me. Cresci no mal e cheguei ao crime. Por fim, num dia em que amaldiçoava Deus por me ter feito tão mau e ter-me dado destino tão horrível, o meu pai adoptivo disse-me: «Não blasfemes, desgraçado, pois Deus deu-te a vida sem cólera! O crime vem do teu pai e não de ti; do teu pai que te votou ao Inferno, se morresses, e à miséria, se um milagre te restituísse à vida!» Desde então deixei de blasfemar contra Deus e amaldiçoei o meu pai. Por isso proferi aqui as palavras que me censurou, Sr. Presidente; por isso causei o escândalo que ainda faz tremer esta assembleia. Se se trata de mais um crime, punam-me por ele; mas se estão convencidos, se consegui convencê-los de que desde o dia do meu nascimento o meu destino era fatal, doloroso, amargo, lamentável, compadeçam-se de mim!
- Mas a sua mãe? - perguntou o presidente.
- A minha mãe julgava-me morto; a minha mãe não é de modo algum culpada. Não procurei saber o nome da minha mãe; não a conheço.
Neste momento soou um grito agudo, que terminou num soluço, no meio do grupo que rodeava, como já dissemos, uma mulher.
Essa mulher teve um violento ataque de nervos e foi levada do pretório. Enquanto a levavam, o véu espesso que lhe cobria o rosto afastou-se e reconheceu-se a Sr.ª Danglars.
Apesar do acabrunhamento, dos seus sentidos embotados e do zumbido que lhe vibrava aos ouvidos; apesar da espécie de loucura que lhe perturbava o cérebro, Villefort reconheceu-a elevantou-se.
- As provas! As provas! - exigiu o presidente. - Lembre-se o réu de que essa teia de horrores precisa de ser comprovada por provas esmagadoras.
- As provas? - redarguiu Benedetto, rindo. - Quer provas?...
- Quero.
- Então olhe para o Sr. de Villefort e depois diga-me se ainda quer que lhe dê provas.