- Mas são as mesmas - murmurou Monte-Cristo. - Só que então era de noite e hoje é de dia; é o sol que ilumina tudo isto e torna tudo isto alegre.
Desceu ao cais pela Rua de Saint-Laurent e encaminhou-se para a Consigne, o ponto do porto onde fora embarcado. Um barco de passeio passava com a sua cobertura de lona. Monte-Cristo chamou o patrão, que navegou imediatamente para ele, com a pressa que põem nesse exercício os barqueiros que farejam uma boa gorjeta.
O tempo estava magnífico e a viagem foi uma festa. No horizonte o Sol descia, vermelho e chamejante, nas vagas, que se incendiavam à sua aproximação. O mar, liso como um espelho, franzia-se por vezes devido aos saltos dos peixes, que, perseguidos por algum inimigo oculto, saltavam para fora de água a fim de procurarem a salvação noutro elemento.
Finalmente, no horizonte viam-se passar, brancas e graciosas como gaivotas de arribação, as barcas de pescadores que se dirigiam para Martigues ou os navios mercantes carregados que seguiam para a Córsega ou para a Espanha.
Apesar daquele lindo céu, daquelas barcas de contornos graciosos e da luz dourada que inundava a paisagem, o conde, envolto na sua capa, recordava um a um todos os pormenores da terrível viagem: aquela luz única e isolada que ardia nos Catalães, a vista do castelo de If que lhe revelou para onde o levavam, a luta com os gendarmes quando quis lançar-se ao mar, o seu desespero quando se sentiu vencido e a sensação fria do cano da carabina encostado à têmpora, como um anel de gelo.
E, pouco a pouco, como as nascentes secas no Verão que quando se acastelam as nuvens de Outono se humedecem lentamente e começam a correr gota a gota, o conde de Monte-Cristo sentiu igualmente nascer-lhe no peito o velho fel extravasado que outrora inundara o coração de Edmond Dantès.
A partir daí acabou-se para ele o céu bonito, as barcas graciosas, o sol quente; o céu velou-se de crepes fúnebres e o aparecimento do negro gigante chamado castelo de If fê-lo estremecer como se lhe tivesse surgido de súbito o fantasma de um inimigo mortal.
Chegaram.
Instintivamente, o conde recuou até à extremidade do barco.
O patrão teve de lhe dizer com a sua voz mais diferente:
- Chegámos, senhor.
Monte-Cristo lembrou-se de que naquele mesmo local, naquele mesmo rochedo, fora violentamente arrastado pelos seus guardas e que o tinham obrigado a subir a rampa picando-lhe os rins com a ponta das baionetas.
O caminho parecera então muito longo a Dantès; Monte-Cristo achou-o muito curto. Cada remada fizera brotar, juntamente coma toalha húmida do mar, um milhão de pensamentos e recordações.