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Capítulo 15: O número 34 e o número 27

Página 107

Dantès esgotara o círculo dos recursos humanos. Como dissemos que acabaria por acontecer, virou-se então para Deus.

Todas as ideias piedosas espalhadas pelo mundo, que buscam os infelizes vencidos pelo destino, vieram então acalmar-lhe o espírito. Recordou-se das preces que a mãe lhe ensinara e encontrou-lhes um sentido que outrora ignorara. Porque para o homem feliz a prece não passa de um conjunto de palavras monótono e vazio de sentido, até ao dia em que a dor explica ao infortunado a linguagem sublime com o auxílio da qual ele fala a Deus.

Rezou portanto, não com fervor, mas sim com raiva. Rezando em voz alta, já se não assustava com as suas palavras. Então, caía em espécies de êxtases. Via Deus, deslumbrante, em cada palavra que pronunciava. Todos os actos da sua vida humilde e perdida atribuía-os à vontade desse Deus poderoso, extraía daí ensinamentos, propunha-se tarefas a cumprir e no fim de cada prece insinuava o pedido interesseiro que os homens encontram com muito mais frequência maneira de dirigir aos homens do que a Deus: «E perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos tem ofendido.»

Mas, apesar das suas preces ferventes, Dantès continuou prisioneiro.

Então, o seu espírito tornou-se sombrio e formou-se-lhe uma nuvem espessa diante dos olhos. Dantès era um homem simples e sem educação; o passado permanecera para ele coberto com esse véu escuro que só a ciência ergue. Na solidão da sua masmorra e no deserto do seu pensamento, não podia reconstituir os tempos passados, ressuscitar os povos extintos, reconstruir as cidades antigas, que a imaginação engrandece e poetisa, e que nos passam diante dos olhos, gigantescas e iluminadas pelo fogo do céu, como os quadros babilónicos de Martinn. Ele só tinha o seu passado, tão curto; o seu presente, tão sombrio, e o seu futuro, tão duvidoso: dezanove anos de luz a meditar talvez numa noite eterna! Nenhuma distracção podia portanto vir ajudá-lo. O seu espírito enérgico, ao qual nada seduziria mais do que voar através dos tempos, era obrigado a permanecer prisioneiro como uma águia numa gaiola. Aferrava-se então a uma ideia, à da sua felicidade destruída sem motivo aparente e devido a uma fatalidade inaudita. Encarniçava-se à volta desta ideia, virava-a e revirava-a por todos os lados, devorava-a por assim dizer sofregamente, como no inferno de Dante o implacável Ugolino devora o crânio do arcebispo Roger. Dantès tivera apenas uma fé passageira baseada no poder; perdeu-a como outros a perdem depois do êxito. Simplesmente, não tirara proveito dela.

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Capa do livro O Conde de Monte Cristo
Páginas: 1080
Página atual: 107

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Marselha - A Chegada 1
O pai e o filho 8
Os Catalães 14
A Conspiração 23
O banquete de noivado 28
O substituto do Procurador Régio 38
O interrogatório 47
O Castelo de If 57
A festa de noivado 66
Os Cem Dias 89
O número 34 e o número 27 106
Um sábio italiano 120
A cela do abade 128
O Tesouro 143
O terceiro ataque 153
O cemitério do Castelo de If 162
A Ilha de Tiboulen 167
Os contrabandistas 178
A ilha de Monte-Cristo 185
Deslumbramento 192
O desconhecido 200
A Estalagem da Ponte do Gard 206
O relato 217
Os registos das prisões 228
Acasa Morrel 233
O 5 de Stembro 244
Itália - Simbad, o marinheiro 257
Despertar 278
Bandidos Romanos 283
Aparição 309
A Mazzolata 327
O Carnaval de Roma 340
As Catacumbas de São Sebastião 356
O encontro 369
Os convivas 375
O almoço 392
A apresentação 403
O Sr. Bertuccio 415
A Casa de Auteuil 419
A vendetta 425
A chuva de sangue 444
O crédito ilimitado 454
A parelha pigarça 464
Ideologia 474
Haydée 484
A família Morrel 488
Píramo e Tisbe 496
Toxicologia 505
Roberto, o diabo 519
A alta e a baixa 531
O major Cavalcanti 540
Andrea Cavalcanti 548
O campo de Luzerna 557
O Sr. Noirtier de Villefort 566
O testamento 573
O telégrafo 580
Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588
Os fantasmas 596
O jantar 604
O mendigo 613
Cena conjugal 620
Projetos de casamento 629
No gabinete do Procurador Régio 637
Um baile de Verão 647
As informações 653
O baile 661
O pão e o sal 668
A Sra. de Saint-Méran 672
A promessa 682
O jazigo da família Villefort 705
A ata da sessão 713
Os progressos de Cavalcanti filho 723
Haydée 732
Escrevem-nos de Janina 748
A limonada 762
A acusação 771
O quarto do padeiro reformado 776
O assalto 790
A mão de Deus 801
Beauchamp 806
A viagem 812
O julgamento 822
A provocação 834
O insulto 840
A Noite 848
O duelo 855
A mãe e o filho 865
O suicídio 871
Valentine 879
A confissão 885
O pai e a filha 895
O contrato 903
A estrada da Bélgica 912
A estalagem do sino e da garrafa 917
A lei 928
A aparição 937
Locusta 943
Valentine 948
Maximilien 953
A assinatura de Danglars 961
O Cemitério do Père-lachaise 970
A partilha 981
O covil dos leões 994
O juiz 1001
No tribunal 1009
O libelo acusatório 1014
Expiação 1021
A partida 1028
O passado 1039
Peppino 1049
A ementa de Luigi Vampa 1058
O Perdão 1064
O 5 de Outubro 1069