- A galeria que furou para vir da sua cela até aqui estende-se no mesmo sentido da galeria exterior, não é verdade?
- É.
- E só deve distar dela uns quinze passos?
- No máximo.
- Bom, mais ou menos a meio da galeria abrimos um caminho que forme como que o braço de uma Cruz. Desta vez, tirará melhor as suas medidas. Desembocamos na galeria exterior, matamos a sentinela e fugimos. Para que o plano resulte é preciso apenas coragem, e essa tem-na o senhor; vigor, e esse não me falta.
Isto sem falar já da paciência, de que já deu provas e eu darei as minhas.
- Um instante - atalhou o abade. - Você ignora, meu caro companheiro, de que espécie é a minha coragem e como tenciono empregar a minha força. Quanto à paciência, creio ter sido bastante paciente recomeçando todas as manhãs a tarefa da noite e todas as noites a tarefa do dia. Mas então, ouça bem o que lhe digo, rapaz, parecia-me que servia Deus libertando uma das suas criaturas que, estando inocente, não pudera ser condenada.
- Mas então - perguntou Dantès -, as coisas não estão no mesmo pé? Foi porventura reconhecido culpado desde que me encontrou?
- Não, mas também não o quero vir a ser. Até aqui julgava ter de me haver apenas com coisas, mas agora você propõe-me haver-me com homens. Furei uma parede e destruí uma escada, mas não furarei um peito nem destruirei uma existência.
Dantès fez um leve gesto de surpresa.
- Como, podendo ser livre prender-se-ia com semelhante escrúpulo - perguntou.
- Tal como você próprio - redarguiu Faria. - Por que motivo não agrediu, uma noite, o seu carcereiro com o pé da sua mesa, vestiu as roupas dele e tentou fugir?
- Porque a ideia não me acudiu - respondeu Dantès.
- Porque tem tal horror instintivo a semelhante crime, tal horror que nem sequer pensou nele - prosseguiu o velhote. - Porque nas coisas simples e permitidas os nossos apetites naturais advertem-nos de que nos não devemos desviar da linha do nosso direito. O tigre, que derrama sangue por natureza, porque é essa a sua condição, o seu destino, só precisa de uma coisa: que o faro o previna de que tem uma presa ao seu alcance.
Salta imediatamente sobre ela, cai-lhe em cima e despedaça-a. E o seu instinto e obedece-lhe. Mas ao homem, pelo contrário, repugna o sangue. Não são de modo algum as leis sociais que repudiam o assassínio, são as leis naturais.
Dantès ficou confuso. Era, com efeito, a explicação do que se estava a passar sem ele saber no seu espírito, ou antes, na sua alma, pois há pensamentos que vêm da cabeça e outros que vêm do coração.
- E depois - continuou Faria -, desde que estou preso, há perto de doze anos, já revi em espírito todas as evasões célebres.