O Conde de Monte Cristo - Cap. 16: Um sábio italiano Pág. 125 / 1080

- A galeria que furou para vir da sua cela até aqui estende-se no mesmo sentido da galeria exterior, não é verdade?

- É.

- E só deve distar dela uns quinze passos?

- No máximo.

- Bom, mais ou menos a meio da galeria abrimos um caminho que forme como que o braço de uma Cruz. Desta vez, tirará melhor as suas medidas. Desembocamos na galeria exterior, matamos a sentinela e fugimos. Para que o plano resulte é preciso apenas coragem, e essa tem-na o senhor; vigor, e esse não me falta.

Isto sem falar já da paciência, de que já deu provas e eu darei as minhas.

- Um instante - atalhou o abade. - Você ignora, meu caro companheiro, de que espécie é a minha coragem e como tenciono empregar a minha força. Quanto à paciência, creio ter sido bastante paciente recomeçando todas as manhãs a tarefa da noite e todas as noites a tarefa do dia. Mas então, ouça bem o que lhe digo, rapaz, parecia-me que servia Deus libertando uma das suas criaturas que, estando inocente, não pudera ser condenada.

- Mas então - perguntou Dantès -, as coisas não estão no mesmo pé? Foi porventura reconhecido culpado desde que me encontrou?

- Não, mas também não o quero vir a ser. Até aqui julgava ter de me haver apenas com coisas, mas agora você propõe-me haver-me com homens. Furei uma parede e destruí uma escada, mas não furarei um peito nem destruirei uma existência.

Dantès fez um leve gesto de surpresa.

- Como, podendo ser livre prender-se-ia com semelhante escrúpulo - perguntou.

- Tal como você próprio - redarguiu Faria. - Por que motivo não agrediu, uma noite, o seu carcereiro com o pé da sua mesa, vestiu as roupas dele e tentou fugir?

- Porque a ideia não me acudiu - respondeu Dantès.

- Porque tem tal horror instintivo a semelhante crime, tal horror que nem sequer pensou nele - prosseguiu o velhote. - Porque nas coisas simples e permitidas os nossos apetites naturais advertem-nos de que nos não devemos desviar da linha do nosso direito. O tigre, que derrama sangue por natureza, porque é essa a sua condição, o seu destino, só precisa de uma coisa: que o faro o previna de que tem uma presa ao seu alcance.

Salta imediatamente sobre ela, cai-lhe em cima e despedaça-a. E o seu instinto e obedece-lhe. Mas ao homem, pelo contrário, repugna o sangue. Não são de modo algum as leis sociais que repudiam o assassínio, são as leis naturais.

Dantès ficou confuso. Era, com efeito, a explicação do que se estava a passar sem ele saber no seu espírito, ou antes, na sua alma, pois há pensamentos que vêm da cabeça e outros que vêm do coração.

- E depois - continuou Faria -, desde que estou preso, há perto de doze anos, já revi em espírito todas as evasões célebres.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069