- Falo cinco línguas vivas: alemão, francês, italiano, inglês e espanhol. Com o auxílio do grego antigo compreendo o grego moderno; simplesmente falo-o mal, mas estudo-o neste momento.
- Estuda-o? - estranhou Dantès.
- Sim. Fiz um vocabulário das palavras que conheço e dispu-las, combinei-as, virei-as e revirei-as de forma a bastarem-me para exprimir o meu pensamento. Sei cerca de três mil palavras, em rigor tudo o que preciso, embora, segundo creio, os dicionários registem cem mil. Bom, não serei eloquente, mas far-me-ei compreender às mil maravilhas e isso basta-me.
Cada vez mais atónito, Edmond começava a achar quase sobrenaturais as faculdades daquele homem estranho. Quis apanhá-lo em falta em qualquer coisa e continuou:
- Mas se não lhe deram penas, como conseguiu escrever esse tratado tão volumoso?
- Fi-las excelentes, a ponto de serem preferidas às penas vulgares se o material fosse conhecido, com as cartilagens das cabeças dessas enormes pescadas que às vezes nos dão nos dias de jejum. Por isso vejo sempre chegar com grande prazer as quartas-feiras, as sextas-feiras e os sábados, pois dão-me a esperança de aumentar a minha provisão de penas, e os meus trabalhos históricos são, confesso-o, a minha mais agradável ocupação. Recuando no passado, esqueço o presente; percorrendo livre e independente a História, esqueço-me de que estou preso.
- Mas a tinta? - insistiu Dantès. - Como obtém a tinta? - Dantes, havia uma chaminé na minha cela - respondeu Faria. Essa chaminé foi tapada algum tempo antes da minha chegada, sem dúvida, mas durante longos anos fizera-se lume nela e todo o interior ficou coberto de fuligem. Dissolvo a fuligem numa porção do vinho que me dão todos os domingos e obtenho uma tinta excelente. Para escrever as notas especiais e que têm necessidade de dar nas vistas, pico os dedos e escrevo com o meu sangue.
- E quando poderia ver tudo isso? - perguntou Dantès.
- Quando quiser - respondeu Faria.
- Oh, imediatamente! - exclamou o rapaz.
- Nesse caso, acompanhe-me - disse o abade.
E penetrou na galeria subterrânea, onde desapareceu. Dantès seguiu-o.