Dedicaram mais de um ano a este trabalho executado com um escopro, uma faca e uma alavanca de madeira como únicos instrumentos. Durante esse ano, e sem deixarem de trabalhar, Faria continuou a instruir Dantès, falando-lhe ora numa língua ora noutra, ensinando-lhe a história das nações e dos grandes homens que deixavam de vez em quando atrás de si um desses rastos luminosos chamados glória. O abade, homem do mundo e da alta sociedade, tinha além disso, nas suas maneiras, uma espécie de majestade melancólica de que Dantès, graças ao espírito de assimilação de que a natureza o dotara, soube extrair a polidez elegante que lhe faltava e os modos aristocráticos que habitualmente só se adquirem no convívio com as classes elevadas ou no contacto com homens superiores.
Ao cabo de quinze meses o buraco estava aberto. A escavação era feita por baixo da galeria. Ouvia-se passar e repassar a sentinela, e os dois trabalhadores, forçados a esperar uma noite escura e sem luar para tornar a evasão ainda mais segura, só tinham um receio: que o chão, demasiado delgado, abatesse por si mesmo debaixo dos pés do soldado. Obviou-se a esse inconveniente colocando como suporte uma espécie de vipazinha encontrada nos alicerces. Dantès estava ocupado a colocá-la quando ouviu de súbito o abade Faria, que ficara na cela do rapaz, onde se ocupava por seu turno a aguçar uma cavilha destinada a segurara escada de corda, chamá-lo em tom angustiado. Dantès regressou rapidamente e deu com o abade de pé no meio da cela, pálido, com a testa coberta de suor e as mãos crispadas.
- Oh, meu Deus! - gritou Dantès. - Que aconteceu, que tem o senhor?
- Depressa, depressa! - atalhou o abade. - Escute.
Dantès olhou o rosto lívido de Faria, os seus olhos rodeados por um círculo azulado, os seus lábios brancos e os seus cabelos eriçados, e ficou tão impressionado que deixou cair no chão o escopro que tinha na mão.
- Mas que se passa? - gritou Edmond.
- Estou perdido! - respondeu o abade. - Ouça-me. Vou ser atacado por um mal terrível, talvez mortal. O acesso aproxima-se, sinto-o. Já uma vez me atacou no ano anterior à minha prisão. Para este mal só há um remédio, o que lhe vou dizer. Corra depressa à minha cela e retire o pé da cama. O pé é oco e encontrará dentro dele um frasquinho de cristal meio cheio de um licor vermelho. Traga-o. Ou antes, não, não poderia ser surpreendido aqui. Ajude-me a regressar à minha cela enquanto disponho ainda de algumas forças. Quem sabe o que acontecerá durante o tempo que durar o acesso?