De súbito levantou-se, levou a mão à testa como se tivesse tido uma vertigem, deu duas ou três voltas na cela e voltou a deter-se diante da cama...
- Oh, oh!... - murmurou. - Quem me envia este pensamento? Sois Vós, meu Deus? Uma vez que só os mortos saem livremente daqui, tomemos o lugar dos mortos.
E sem perder tempo a analisar esta decisão, como que para não dar ao pensamento tempo de destruir esta resolução desesperada, inclinou-se sobre o horrível saco, abriu-o com a faca que Faria fizera, retirou o cadáver do saco, levou-o para a sua cela, deitou-o na cama, cobriu-lhe a cabeça com o bocado de pano com que ele próprio tinha o hábito de se cobrir, tapou-o com o cobertor, beijou-lhe pela última vez a testa gelada, tentou mais uma vez fechar aqueles olhos rebeldes, que continuavam abertos, assustadores devido à ausência de vida, virou-lhe a cara para a parede a fim de o carcereiro, quando lhe trouxesse a refeição da noite, julgar que estava a dormir, como acontecia muitas vezes, voltou à galeria, puxou a cama contra a muralha, entrou na outra cela, tirou do armário agulha e linha, desembaraçou-se dos seus andrajos para que cheirasse debaixo do pano a carne nua, introduziu-se no saco esventrado, colocou-se na posição do cadáver e fechou a costura por dentro.
Ouvir-se-ia a bater o seu coração se por azar alguém entrasse naquele momento.
Dantès poderia perfeitamente ter esperado para depois da visita da noite, mas receava que entretanto o governador mudasse de resolução e levassem dali o cadáver. Então a sua derradeira esperança estaria perdida.
Eis o que tencionava fazer:
Se durante o trajecto os coveiros descobrissem que transportavam um vivo em vez de um morto, Dantès não lhes daria tempo de se recomporem da surpresa. Com uma facada vigorosa abriria o saco de alto a baixo e, aproveitando o terror dos homens, fugiria. Se o quisessem deter, servir-se-ia da faca.
Se o conduzissem ao cemitério e o depositassem numa cova, deixar-se-ia cobrir de terra. Depois, como era de noite, assim que os coveiros virassem costas abriria uma passagem através da terra mole e fugiria (esperava que o peso não fosse exagerado, para poder levantá-lo...)
Se se enganasse, se pelo contrário a terra fosse excessivamente pesada, morreria asfixiado e pronto, acabar-se-ia tudo.
Dantès não comia desde a véspera, mas assim como não se lembrara da fome de manhã, também agora não pensava nela. A sua posição era tão precária que não lhe deixava tempo de fixar o pensamento em nenhuma outra ideia.