«O primeiro será
mazzolato e o segundo
decapitato.» Sim, com efeito - prosseguiu o conde -, era de facto assim que as coisas se deviam passar primitivamente; mas parece-me que desde ontem houve qualquer alteração na ordem e na sequência da cerimónia.
- Sim? - observou Franz.
- Sim. Ontem, em casa do cardeal Rospigliosi, onde passei a noite, falava-se de qualquer coisa como um adiamento concedido a um dos dois condenados.
- A Andrea Rondolo? - perguntou Franz.
- Não... - redarguiu negligentemente o conde - ao outro... - (deitou uma olhadela à agenda, como que para se recordar do nome) - a Peppino, por alcunha Rocca Priori. Isso priva-os de uma guilhotinadela, mas resta-lhes a mazzolata, que é um suplício deveras curioso quando se vê pela primeira vez e mesmo pela segunda, ao passo que o outro, que aliás devem conhecer, é muito simples, muito rápido, e sem nada de inesperado. A mandaïa nunca falha, não treme, não, fere em falso, não obriga a tentar trinta vezes, como aconteceu ao soldado encarregado de cortar a cabeça ao conde de Chalais, e ao qual, de resto, Richelieu talvez tivesse recomendado o paciente. Mas deixemo-nos disto - acrescentou o conde em tom desdenhoso. - Não me falem dos Europeus no tocante a suplícios; não percebem nada disso e encontram-se verdadeiramente na infância, ou antes, na velhice da crueldade.
- Na verdade, Sr. Conde - observou Franz -, dir-se-ia que fez um estudo comparado dos suplícios entre os diversos povos do mundo.
- Pelo menos há poucos que não tenha visto – respondeu friamente o conde.
- E encontrou prazer em assistir a esses horríveis espectáculos?
- A minha primeira sensação foi de repulsa, a segunda de indiferença e a terceira de curiosidade.
- Curiosidade! A palavra é terrível, não acha?
- Porquê? Na vida há apenas uma preocupação grave: a morte. Pois bem, não será curioso estudar de que formas diferentes a alma pode sair do corpo e como, segundo os caracteres, os temperamentos e até os costumes do país, os indivíduos suportam essa suprema passagem do ser para o nada? Quanto a mim, respondo-lhe uma coisa: quanto mais vemos morrer, mais fácil se torna morrer. Assim, na minha opinião, a morte é talvez um suplício, mas não é uma expiação.
- Não o compreendo bem - confessou Franz. - Explique-se, pois tenho dificuldade em dizer-lhe até que ponto as suas palavras espicaçaram a minha curiosidade.