E também teriam de admitir que para nós o nosso rei era unicamente Luís, o Bem-amado, enquanto para eles o seu usurpador nunca passou de Napoleão, o maldito. Não é verdade, Villefort? - Que diz, Sra. Marquesa?... Perdoai-me, mas não estava a seguir a conversa.
- Então, deixe essas crianças, marquesa - interveio o velho que fizera o brinde. - Essas crianças vão-se casar e muito naturalmente têm mais de que falar do que de política.
- Peço-lhe perdão, minha mãe - disse uma linda rapariga de cabelo louro e olhos de veludo nadando num fluido nacarado. Restituo- lhe o Sr. de Villefort, que monopolizei por um instante.
- Sr. de Villefort, a minha mãe está a falar consigo.
- Estou pronto a responder-lhe, minha senhora, se se dignar repetir a sua pergunta, que mal ouvi - disse o Sr. de Villefort.
- Estás perdoada, Renée - declarou a marquesa, com um sorriso terno que se não esperaria ver florir naquele rosto severo. Mas o coração da mulher é assim: por mais árido que o bafo dos preconceitos e as exigências da etiqueta o tornem, possui sempre um recanto fértil e ridente, aquele que Deus consagrou ao amor materno. - Estão perdoados... Pois eu dizia, Villefort, que os bonapartistas não tinham nem a nossa convicção, nem o nosso entusiasmo, nem a nossa dedicação.
- Mas, minha senhora, têm pelo menos uma coisa que substitui tudo isso: o fanatismo. Napoleão é o Maomet do Ocidente; é, para todos esses homens vulgares, mas de ambições supremas, não só um legislador e um mestre, mas também um modelo, o modelo da igualdade.
- Da igualdade! - exclamou a marquesa. - Napoleão o modelo da igualdade! E que reserva então para o Sr. de Robespierre? Parece-me que lhe rouba o lugar para o dar ao corso; de qualquer modo, parece-me que se trata pelo menos de uma usurpação.
- Não, minha senhora - respondeu Villefort. - Deixo cada um no seu pedestal: Robespierre coloca Luís XVI no seu cadafalso; Napoleão coloca Vedôme na sua coluna, simplesmente, um praticou a igualdade que rebaixa e o outro a igualdade que eleva. Um rebaixou os reis ao nível da guilhotina, o outro o povo ao nível do trono... Mas isso não significa - acrescentou Villefort, rindo - que ambos não sejam infames revolucionários e que o 9 do Termidor e o 4 de Abril de 1814 não constituam dois dias felizes para a França e dignos de ser igualmente festejados pelos amigos da ordem e da monarquia. E explica também por que motivo, apesar de ter caído para nunca mais se levantar, assim espero, Napoleão conservou os seus fanáticos.